sábado, 23 de janeiro de 2010

OS DOIS LADOS VIVIDOS POR PAULO FRANCIS




Por que esta gente haveria de querer acabar 
com a sociedade das choças...

Creio que os que aqui acompanham o meu trabalho já se deram conta de minha admiração para escritores como Nelson Rodrigues e Paulo Francis, entre alguns outros. Pois é, sempre gostei deles, embora em muitas ocasiões discordasse de seus dogmas, pois, ambos eram pessoas de opiniões fortes. Mas li tudo, ou quase tudo que escreveram.

Acredito que leva-se anos para se formar um escritor. Ele já nasce com o dom, mas é depois de muita leitura que ele adquire seu estilo próprio. Cria o seu caminho. Determina o seu universo. Na verdade o escritor, rãs são as exceções, ele se forma sobre o trabalho de outros. Lendo-os, refletindo, até mesmo criticando.

Paulo Fracis, é um caso sui generis, pois teve por algum tempo o beneplácito da extrema esquerda e no final de sua vida até da extrema direita. Foi discípulo de Tostóy e acabou atraído pelas benesses do capitalismo. Se não me engano, Como Jobim, morreu em Manhattan, que para mim é sinonimo morrer bem. Melhor do que falecer no Grajaú ou Casa Verde, vocês não acham?

Paulo Francis tinha uma forma peculiar de escrever. Em seus livros, criava uma ordem básica de ação, mas na realidade esta ação  era criada em função de diálogos. E nestes diálogos ele dava o seu recado. Apresentava as opiniões politicas suas, de sua época de esquerda e posterior de sua vida, já inserido no capitalismo.

Não existem em seus livros uma abundância de situações, ou descrições de lugares. O que é forte é o diálogo entre as partes. Reparem nesta justificativa de um de seus personagens em Clara, Clarimunda, um catedrático a um de seus principais alunos, sobre a sua negativa resposta a um convite para lecionar nos Estados Unidos:

“Não me deixo seduzir pelos confortos de superestrutura desta masmorra que os EUA são e impuseram ao mundo, fora do bloco socialista. Nada tenho contra o povo americano naturalmente. Nem Lênin previu os requintes mistificadores que o império desenvolveria, o que o nosso Marcuse chama de ‘tolerância repressiva’ mantendo na linha os servos nativos. Se aceitasse lecionar lá me sentiria escravo grego erudito de general romano. Prefiro vender enciclopédias de porta em porta. Ao menos estaria falando a meu povo.

Contundente. Como quase tudo que Paulo Francis escrevia e dizia. Neste caso, ele demonstra o estado de espírito de alguém que ideologicamente apaga toda e  qualquer opção de entendimento com aquilo que considera o outro lado. Este era o retrato do “liberalismo” da esquerda. Aquela que reprovava os atos do capitalismo e da extrema direita, mas fazia ouvidos de mercador, para com o que Stalin fazia com seu próprio povo.

Apreciem este outro comentário, que explora a outra face do capitalismo (segundo seu personagem, a boa) que extraí do romance Cabeça de Negro. Este livro, pelo menos para mim, um marco, pois, apresenta um perfil de retratação de uma sociedade carioca, em uma determinada época de fútil ascensão social:

“… estacionaram no dinheiro. Não é novo-riquismo apenas. É mentalidade de assaltante de estrada. Não entendem e muito menos partilham a imaginação revolucionária do capitalismo. Aprendem e praticam apenas sua crueldade, não a criatividade que produziu a quase todos os benefícios materiais que o home experimentou nos dois últimos séculos, o que Marx ilumina, de mau humor, no segundo volume de O Capital, pouco lido e menos comentado ainda pelos comunistas oficiais. Houve tempo em que os construtores do império americano, ou inglês, acreditavam em sua própria propaganda, de que refaziam o mundo, não se limitando a explorá-lo. Se seus métodos eram brutais (e são), a munificência dos resultados constituía uma antítese considerável. Os milhões escravizados na Revolução Industrial forneceram à numero maior, pela primeira vê na História, os confortos rudimentares da civilização, antes privilégio dos beneficiários aristocratas do artesanato... ”.

Penso eu que o grande legado de Paulo Francis é ter vivido os dois lados da moeda e ter conseguido - em cima de suas experiências – retratar o perfil de cada um destes dois segmentos antagônicos.

A esquerda festiva brasileira, que preferia asilar-se em Paris do que em Moscou, foi uma fase de nossa existência, na época da redentora militar”. Dos que ficaram, no alto de suas coberturas no Leblon, regadas a whisk (nunca nacional), vinham os brados kleinianos ortodoxos, arrancou de outro personagem em Clara, Clarimunda este comentário mordaz, porém verdadeiro:

Por que esta gente haveria de querer acabar com a sociedade das choças, que produzia a legião de fâmulos que servia drinque e feijoadas aos convidados nessas reuniões, era um mistério insolúvel…”

Algo profundo a se pensar, principalmente nos dias de hoje, onde a transformação física e de gostos do atual presidente, reflete nitidamente o perfil do pensamento da atual gestão.