CACHOEIRA, QUE NÃO FAZ SENTIR FALTA DO MAR
Samba enredo de Escola de Samba é o maior depositário de frases esdrúxulas já reunidas dentro da língua portuguesa. São afirmativas pitorescas e cravejadas de ficção. O importante é rimar. Brasil varonil com céu cor de anil, e assim por diante. Outrossim, outro dia ouvi, uma numa ode escrita ao grande estado de Minas Gerais que me calou fundo no peito. Não tinha rima, mas a afirmação era a treva. Minas Gerais possuía tantas cachoeiras, que não se fazia sentir a falta do mar.
Esta é dose! Dose para paquiderme! Um verdadeiro exagero caricatural!
À constatação de uma sólida evidencia, sente-se que mineiro não sente falta do mar pois, prefere cachoeira. Espessa ingenuidade de quem assim pensar.
Morei um ano em Belo Horizonte, trabalhando para o Plambel, um órgão recém criado que tinha como objetivo básico a implantação do sistema de Metro na capital mineira. A coisa não saiu de seu embrião e o mineiro continuou a se transladar sobre o pavimento, não abaixo do mesmo. Afinal como diria minha faxineira da época, “quem gosta de buraco é tatu!” Do berçário a cova, ela nunca andaria em algo sob a terra.
Segundo ela, não poder-se-ía imaginar as doenças que estavam guardadas no solo a espera de incautos que o quisessem desbravar. Pois é dona Maria de Jesus, não conhecia o mar e acreditava que seria uma perda de tempo alguém ir ao litoral, para ver água. Se havia água ali mesmo nas fontes, nos lagos, nos rios e na cachoeiras. Só não citou os canos, pois, acredito que tenha se comovido com a minha ligação oceânica como todo carioca de boa cepa. Poderia ferir minha sensibilidade.
Quando lhe disse das benesses de se transportar pelo metro, ela se negou a aceitar e pediu pelos fatos, como estes estivesse catalogados em meus bolsos e prontos a serem distribuídos tão logo fossem solicitados.
Me dei por vencido.
Mas em Minas aprendi que o mineiro fala pouco, outrossim presta muita atenção. Uma coruja com cordas vocais. Tem muita memória e politicamente é quase perfeito. Do jogo de peteca do sábado ao cozido de domingo, quando não há Cruzeiro e Atlético no, o fim de semana é passado em família, e o mar não está entre as preferências maiores.
Eu tinha um chefe, José Maria leal, já desaparecido, que uma figura sublime, quase cândida, incapaz de fazer mal a uma mosca. Sempre solicito, atencioso e pronto para resolver qualquer problema de seus subalternos. O meu ele nunca conseguiu resolver, que era a ausência do mar. Senti, desde o primeiro fim de semana saudade do meu amigo Atlântico. Com dois fins de semana passados em Belo Horizonte, fui a Varig, que existia naquele tempo, e consegui um desconto grande na aquisição de passagens.
Lembro-me da cara de torpor da atendente, quando me perguntou quantas passagens eu queria comprar e recebeu como resposta: todas as sexta-feiras até o final do ano, voltando no primeiro vôo da segunda. Era passagem para burro. Ao todo 44 passagens, pois estávamos em Fevereiro. Ela calculou e eu ganhei uma baita de um desconto. Meti o credicard e sai da agência feliz da vida.
E fiquei neste vai e vem durante um ano. O Metro não saiu e eu voltei para o Rio, pois, nunca fui chegado a uma cachoeira. Nunca mais voltei a Belo Horizonte. Tinha vontade de o fazer.
Belo Horizonte, de minha época era uma cidade lírica, mas pacata. Tinha a qualidade de um paraíso sem mar. Mas era devagar, quase parando. Vida de barzinho e reunião em volta de um violão. Fim de semana assistir o balé do Corpo. Os mineiros migravam para o Rio de Janeiro, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Rezende, Helio Pellegrino, Fernando Sabino, Milton Nascimento. Outros para Brasilia, Juscelino, Israel Pinheiro...
Pode ser até verdade que o número de cachoeiras façam o mineiro se sentir independente do mar. Afinal há gosto para tudo. Mas os mineiros com quem convivi, adoravam vir aos litorais do Rio de Janeiro ou do Espírito Santo. Ou será que eles não eram mineiros?