domingo, 4 de outubro de 2009

SOMOS TODOS UNS SILVAS

SOMOS TODOS UNS SILVAS




Falei de Rubem Braga, o cronista dos cronistas e imediatamente me lembrei
que nunca alguém foi tão profético quanto ele, ao escrever a crônica intitulada,
O luto da Família Silva, datado de Junho de 1935.
 Um Silva de Pernambuco.
Ali naquela data ele profetizava que Luís Inácio Lula da Silva um dia seria presidente,
embora ele, o Lula, nem nascido fosse.

Parece sobrenatural, e talvez o tenha sido. Rubem Braga funcionou como o Nostradamus capixaba. Leiam na integra esta crônica, escrita a quase 75 anos atrás e me cobrem se acharem que exagerei na dose:

“A assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na calçada. Uma poça de sangue. A assistência voltou vazia. O homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos Fatos Diversos do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na rua da Alegria. Morreu de hemoptise.


João da Silva – Neste momento em que seu corpo vai baixar a vala comum, nós, seus amigos e irmãos, vimos prestar esta homenagem. Nós somos os Joões da Silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, a família Silva. Não é uma família ilustre: nós não temos avós na história,. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarse. No fundo somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nóe éramos degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos imigrantes mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte.. Às vezes por modéstia não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome de tal. A família Silva e a família de tal são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que são de família pertencem à família Silva.


João da Silva – Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue-azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho – vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João vai mal em politica. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.


Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na politica.”

E não é que um Silva subiu ao ponto mais alto na política de nossa nação?

Tenho o privilégio de ter as 16 obras que Rubem Braga publicou em forma de livro. E numa delas, editada pela Record, chamada 200 crônicas escolhidas, as melhores e Rubem Braga, você pode achar esta crônica, assim como outras de cair o queixo. Aliás, estas era uma das características marcantes de sua pena: fazer os queixos das pessoas caírem de estupefação.

Rubem Braga era simples, objetivo e sem meias palavras. Dizia o que tinha que dizer, pouco se lixando para o que a turma do baixo clero pudesse pensar. A marca de um verdadeiro cronista.

Tinha frases marcantes, tais como:

Ela tem um bom emprego. O emprego é tão bom que ela as vezes até trabalha.

Os soldados do exército não podem olhar as estrelas: lembra-se dos generais.

É tão perto do Rio a Paris! Assim é na verdade, mas acontece que raramente vamos sequer a Niterói.

Fernando Sabino, com quem tive maior contato, me disse uma vez que Rubem Braga era um urso com alma de passarinho. Eu diria que era uma lince, com alma branca.
albatrozusa@yahoo.com