sexta-feira, 30 de outubro de 2009

FAMILIA SÓ É BOM EM FOTOGRAFIA

A FAMILIA






Um dos grandes mestres de minha existência foi o Gabriel Paes de Carvalho, um figura sublime, tão gracioso e delicado qual um sabiá. Um dia, saindo de um teatro em New York ele, chateado que estava com algo acontecido, me disse uma coisa que nunca esqueci: “família é bom só em fotografia”.

Eu pensei um pouco e cheguei a conclusão que o Gabriel estava parcialmente certo. Só na fotografia todos estão unidos, sorrindo e não discutindo. Isto não é uma opinião. Isto é um fato.

Família é uma coincidência biológica. Você não escolhe a família que tem. Felizmente, os amigos sim.

Um de meus primos um dia veio com esta: mãe é bom, mas dura muito”. Conhecendo eu, como conhecia minha tia, não achei que ele estivesse extrapolando. Mas ao mesmo tempo ele era uma cara chato e metido a entender de tudo. Gostava das esquerdas embora não tivesse o mínimo discernimento entre o que era direita, centro e esquerda. Mas era a moda e ele como riquinho de primeira viagem, a seguia.

Riquinho, mas contra o capitalismo. Para tal, ele se vestia qual um molambo, mas freqüentava o Antônio’s, desfilava em seu carro do ano e no fim do dia, não abria mão de voltar à cobertura de seus pais na Delfim Moreira. Seu quarto tinha as dimensões de uma campo de futebol de salão. Coisa das esquerdas brasileiras. Pregam a igualdade tomando whisk escocês nas coberturas da Delfim Moreira.

Nunca achei o capitalismo um regime ruim, o que o estraga são 70% dos capitalistas que se aproveitam dele. Refestelam suas regiões glúteas no assento de trás de seus carrões e não se abalam que caminho seu sinesíforo irá tomar. Poluem a praça. Pensam apenas nos morros de dinheiro que vão transacionar e agem qual batedores de carteira. Não compartilham da imaginação revolucionária do capitalismo. Trilham apenas seu lado grotesco, sem criatividade alguma, pensando apenas em seus benefícios materiais e a duplicação de seus investimentos. O capitalismo gerou o desenvolvimento do mundo. Até Marx aceitou esta verdade no segundo tomo de seu O Capital. Aquele que a turma da esquerda esqueceu de ler.

Mas meu priminho não era cruel como os 70% que exploravam o capital, nem revolucionário como os outros 29,9% que faziam o mundo crescer. Ele era parte daquele 0,1% que revoltava-se por ter nascido em berço esplendido. A antítese do ponderável.

Acusava-me de ser um alienado, porque tinha uma moto e preferia ir a praia do que freqüentar os porões onde ele se encontrava com a turma do partidão. Paramos de nos falar, por total incompatibilidade de gostos.

Logo no inicio da gestão Medici juntou-se ao grupo de bichos grilos e como falava muito alto acabou sendo uma das primeiras vitimas da repressão dos militares. Outrossim, o dinheiro de meu tio foi suficiente para que ele arruma-se um exílio em Paris. Pois é, Paris. Enquanto alguns exilados se esfolavam a 45 graus abaixo de zero na Criméia, ele morava na Rive Guache, e era rato do La Coupole: Croustilles de gambas aux herbes fraîches, chutney de mangue de entrada. Fricassée de poulet de Bresse au coulis d'écrevisses, légumes printaniers de prato principal e Tarte feuilletée au jus de "citron frais" de sobremesa. Não sentia remorso, pois, segundo ele o maître, que lhe servia, era do partido comunista. Isto m disse depois de ordenar sua refeição em um encontro que tivemos nos anos 80.

O tempo passou, a anistia veio, e meu primo voltou de Paris, sentindo-se um vencedor. Tinha sobrevivido aos 21 anos do poder militar. Sentia-se um injustiçado e clamava por vingança. Como tinha feito um doutorado na Sorbonne, em seu período de "agruras" na capital francesa, graças a seu pai, arrumou um empregão na era Collor, justamente numa das mais fortes vertentes do capitalismo, o Citi Bank. Imediatamente esqueceu-se que o capitalismo selvagem de alguns países, razão pela qual gerara-se ainda mais pobreza no resto da humanidade e que enquanto sua mulher, altamente bem alimentada gerava a apenas um filho, as duas empregadas subnutridas, que a serviam, pariram cinco, cada. A multiplicação das hordas, como diria o inesquecível Paulo Francis. Noblese Oblige.

Outro dia ele esteve aqui em Miami e depois de tomar umas e outras me confessou que o comunismo era uma merda. Que hoje estava ciente que Stalin havia matado mais russos que Hitler e o Czar juntos. Que com o fim do comunismo, todos os russos que estiveram junto ao Kremlim, hoje viviam de forma nababescamente, nas melhores cidades do planeta. Que graças a Deus não havia optado em seu exílio por Moscou e que o capitalismo não era perfeito mas com todos os pesares era ainda o sistema mais adequável ao desenvolvimento que o mundo moderno exigia. Durma-se com um barulho destes.

Se existem os red-necks e os bichos grilos, existem também alguns hilários componentes da esquerda festiva brasileira. E o pior do que isto: os primos que nem em fotografia conseguem sair bem.