Sem beleza, sem voz, sem altura...
Quanto mais velho você fica, mas preparado se acha
para enfrentar situações não muito usuais.
Pois é, mas domingo eu estava a caminho de minha praínha,
quando dei de cara com uma limusine daquelas
que nunca parecem ter fim parando a frente de meu prédio.
Estanquei. Boa coisa haveria de sair dali. Como saiu...
Glória Estefan e Jennifer Lopes, acompanhadas
de um negão do tamanho de meu edifício.
Um frêmito inexcedível tomou conta de todo o meu ser.
Senti, por um segundo – talvez três... - o chão faltar a meus pés.
O trio famoso, seguiu em direção a um apartamento térreo que dá direto na praia e que até o presente momento não havia conseguido ser vendido, com mais de dois anos de inauguração do edifício. O negão, como vim a saber depois, tratava-se de jogador de basquete de um time do Texas e estava dando uma festa de abertura do apartamento que acabara de adquirir. Talvez ele possa não saber a diferença de Marx para Exu, mas não importa. Ganha bastante dinheiro como esportista, embora seu time nunca chegue sequer as finais.
Como o mundo dá voltas... pensei eu com os botões que esquecera de abotoar em minha camisa. Seu avô deve ter sofrido na mão da Klu Klux Khan no Teneessee e ele décadas depois adquiri o mais caro apartamento de Hallandale, por ser alto e poder jogar bem basquete.
Não sou racista, mas quando observo que jogadores profissionais nos Estados Unidos, ganham mais do que presidentes de nações, cirurgiões de cérebro e físicos nucleares, imediatamente me vem a mente, a possibilidade de que houve uma total inversão de valores nos tempos modernos. Uma repaginação metafórica e ímpia. Juntos, ele, a cantora e a atriz, o que ganham anualmente, dava para acabar com a fome do mundo em todo o continente africano.
Não tenho inveja e creio que eles fizeram porque, para chegar onde chegaram, mas não acho que jogar basquete, cantar ou atuar, possa ser mais importante do que as responsabilidades assumidas por um presidente de uma nação ou de alguém que mexe com vidas humanas. Mas como no tempo de Roma, o povo hoje acolhe de bom grado o que lhe é apresentado nas arenas da vida.
Mozart e Bethoveen morreram quase em estado de indigência. Qualquer cantor de rap está bilhardário. Não cabe a mim fazer um comparativo entre estes dois tipos de arte, mas creio ser muito mais trabalhoso se criar um sinfonia do que um musica de rap. Isto se chama os sinais dos tempos. Nada podemos fazer, senão aceitá-los. Porém, hipoteco minha sumária indignação, aos que concordam.
O grande poeta Carlos Drumond de Andrade um dia disse, “que ser feliz sem motivo, é a mais autêntica forma de felicidade”. Pois bem, meus poucos e parcos leitores, considero-me feliz sem motivos maiores. Assim o sou com o que faço, com o que fiz e com aquilo que espero ainda um dia fazer. Acho graça no sol e na lua. Não troco dez minutos na praia do que de horas junto ao poder. Logo, estas inversões de valores não me tiram um sono, mas as noto. Primeiramente como algo semelhante a aquilo que conceituo de anomalias circunstanciais.
Entendo que estas coisas aconteçam no Brasil. Nelson Rodrigues disse uma vez que, “o brasileiro se incorpora a qualquer grupo de mais de cinco pessoas. Demais a mais temos a fascinação pelo escândalo”. E alguns cantores de rap e alguns esportistas, são verdadeiros escândalos visuais. Daqueles que nos cegam e fazem com que uma legião os diga.
Mas nos Estados Unidos, um pais que primou por incorporar em suas lides o que havia de melhor entre os profissionais do mundo, parece que parou a dar a esta gama, as benesses de outrora. São o que chamamos dos sinais iniciais de sinistro enganos que com o tempo se transformarão em hediondas torpezas.
Mas voltando os trilhos. Glória Estefan deu uma relaxadinha de leve. Jennifer Lopes continua o sonho masculino de consumo e o negão parecia uma penteadeira de marafa suburbana: óculos escuros monumentais, um chapéu cínico à cabeça, tronco curvado ao peso de suas correntes de ouro maciço e com um relógio pouco menor – coisa de milímetros - que o estádio do Maracanazinho, outrossim há de se ressaltar que muito mais claro e intensamente mais brilhante.
Confesso que me achava até então, insuscetível ao espanto. Mas espantei-me ao ver as três figuras florescerem de dentro daquela limusine. Já sentado em minha cadeira à praia, pensei porque Deus me havia privado da beleza de Jennifer Lopes, da voz de Glória Estefan e da altura do negão. Será que para mim, ele só se preocupou com o cérebro?
albatrozusa@yahoo.com