HOJE TEM MARMELADA?
Recebi no dia da criança um parabéns da amiga FB Stela.
Não sei como ela captou, mais ainda não cresci por dentro.
Apenas por fora.
Continuo a ter os mesmos prazeres e gostar das mesmas coisas de outrora.
Não chego a ser um Peter Pan, mas juro que gostaria de agir como ele.
Um dia eu tive seis anos. Foi a tanto tempo que muito me esqueci. Outrossim um fato ficou marcado eternamente em minha memória. Não foi um trauma nem mesmo um complexo de Édipo. Foi apenas uma descoberta que me fez sentir menos criança, e mais adolecente.
Eu morava numa casa dentro de uma vila, rua Bulões de Carvalho, quase com a Francisco Sá. Meses atrás, por lá passei a caminho do edifício de minha mãe, que é está localizado a pouco mais de uma quadra. Parei e dei entrada na vila. Vi a casa 2 em que morei. Está bem modificada, todavia ainda em pé. Ali, justamente na fronteira de Copacabana com Ipanema vivi meus primeiros anos.
Naquele tempo a gente conhecia e era conhecido pelos comerciantes pelo nome de batismo. A farmácia era do senhor Henrique, não importa o nome que tivesse. Hoje as farmácias pertencem a grupos e o tratamento é impessoal. O jornaleiro era o seu José. Um negro de cara mal humorada mas de um coração maior que ele mesmo. E tinha o açougue do senhor Pedro, e uma armarinho da dona... dona... esta eu me esqueci, mas acho que era Rosa, ou coisa parecida. Tudo pegadinho a vila, do outro lado da rua, na Francisco Sá.
Mas não é isto a que quero me reportar. Eu estava pronto para festejar os meus seis anos de idade e meus pais resolveram me fazer uma grande surpresa. Era meu último ano no bem bom. No ano seguinte entraria no primeiro primário do Colégio Santo Ignácio.
Eu era fã de um palhaço chamado Carequinha e havia muita rivalidade entre ele, o preferido dos cariocas e o palhaço Arrelia, o preferido dos paulistas. Sabendo de minha grande estima pelo palhaço carioca, do qual não perdia um show, meus pais o convidaram para alegrar as festividades de meus anos com meus amiguinhos.
Eu nada sabia. Era para ser surpresa. Mas senti que havia gente estranha na casa. Gente que não vi entrar, mas que pelas expressões de alguns amigos e de meus tios, estava certo de existir. Vocês sabem quando aquele tio te olha e não consegue conter a expressão, doido para lhe contar a surpresa. Senti que havia algo no ar. Era criança, mais não abobalhado. Assim, perguntei a meu pai o que estava acontecendo, e ele mentiu, dizendo que quem estava, permanecia ali no primeiro andar. A casa tinha 3 andares.
Sempre fui curioso e quando senti a oportunidade dei uma furtiva fugida ao terceiro andar e ao abrir a porta tive a minha primeira grande decepção em minha vida. O Carequinha estava vestido, maquiado, porém, ainda não havia colocado sua careca. Tinha cabelo para burro.
Ele deve ter notado que eu era o dono da festa pela expressão de tristeza que fiz. Imediatamente veio em minha direção. Fechou a porta atrás de mim e disse: “o bom menino...”
E eu lembro que complementei: “... não faz pipi na cama”.
Ele sorriu, colocou sua careca e completou: “você está certo. Mas vejo que você já é um homenzinho. Não faz pipi na cama (mal sabia ele) e pode bem guardar um segredo, não pode?”
Fiz que sim com a cabeça. Afinal, agora não estava mais à frente da pessoa que impersonava o palhaço. Tinha diante de meus olhos, novamente o ídolo. O Carequinha.
Ele achegou-se a mim e me segurando pelos ombros falou com a aquela voz que agora eu reconhecia da televisão: “nunca deixe morrer a alegria e a criança que existe dentro de si...” – o disse tocando meu peito com o indicador direito – “... e mantenha sempre os sonhos daquilo que você quer ver acontecer, acesos eternamente em sua mente...” – completou tocando-me na testa. “Sou e nunca deixarei de ser o Carequinha para você. Não importa o que viu a pouco. Sou o Carequinha e gostaria que você me visse desta forma”.
Não esqueci uma palavra sequer que me foi dita naquela tarde no terceiro andar da casa 2. E acreditem, esta é uma das únicas lembranças que trago daquela época. Me lembro que desci, e olhei para meus amigos. Pela primeira vez me senti superior a eles. Eu sabia um segredo que nenhum deles sabia e isto para mim era o máximo. Tinha até certeza que nunca mais faria pipi na cama.
Meus pais sacaram que algo deveria ter acontecido, principalmente por me verem descer as escadas sério. Mas eu sorri para eles e não houve sequer tempo para um explicação, pois do alto da escada que eu acabara de descer, foi ouvido o grito que enlouqueceu a toda meninada presente
“Hoje tem marmelada?”