UMA NAÇÃO QUE NASCEU COM A BOLA
Desde que o campeonato brasileiro de futebol passou a ser disputado no sistema de turno e returno e sua classificação computada da forma de pontos corridos, que as coisas ficaram mais interessantes. Existe uma sensação permanente na luta pelas quatro primeiras colocações, ou o chamado G4, como também pela tentativa de se manter fora da turma que cairá para a segunda divisão. O grupo da morte. Isto esquenta a disputa. Mantém a todos alerta. Na verdade, funciona como dois distintos campeonatos. Ninguém pode se dar o luxo de relaxar e esperar o próximo campeonato, pois, se você bobear, samba. E samba bonito.
A segundona, que não fedia nem cheirava, ferveu com a queda de grandes como o Corinthias, o Atlético Mineiro, o Grêmio, O Botafogo, o Palmeiras e o Vasco da Gama, para se ater aos mais recentes. Passou a voltar a viver com seus estádios cheios. Logo, esta fórmula que alguém bolou e merece de nós, parabéns, funcionou.
Este fim de semana três torcidas cariocas fizeram tremer com os alicerces do Maracanã e do Mineirão. E por razões as mais distintas. O Vasco por estar de volta a primeira divisão. Quem diria que um jogo contra o Juventude pudesse fazer isto. O Fluminense por acreditar na possibilidade de se manter nela, a primeira. Coisa que a quatro semanas atrás parecia ser apenas um delírio. E o Flamengo que agora sonha até com o titulo.
E porque estas três coisas puderam se tornar realidade? Pelo amor do torcedor carioca. Mesmo apanhando, resistem. Mesmo sendo traídos, lutam pela volta a normalidade.
Somos o pais do futebol. Um esporte que aglutina multidões. Mexe com a nossa sensibilidade. E faz um povo esquecer das agruras do dia a dia. Sofremos com a exportação de nossa matéria prima, o jogador. Seu exôdo é permanente e quando chegam aquelas hediondas janelas de comercialização, grandes times desmoronam de um dia para o outro. O caso do Inter de Porto Alegre me parece o mais flagrante. Fadado a ser o grande time desta temporada, de uma hora para outra se viu alijado se seus principais nomes e passou a ser uma agremiação como outra qualquer. Mas infelizmente a situação financeira que a maioria de nossos clubes vivem, impedem que a prata da casa permaneça em atividade por aqui, por um maior tempo. Vivemos a triste realidade dos países de terceiro mundo. Exportamos o que temos de melhor para podemos sobreviver.
Outrossim após um ciclo, alguns voltam e ainda acabam se tornando os maestros de seus clubes. Pet e Adriano no Flamengo. Ricardinho no Atlético Mineiro. Ronaldo Fenômeno no Corinthias. Fred no Fluminense. Wagner Love e Edmilson no Palmeiras, são alguns exemplos que me vem imediatamente a mente. Rogério Ceni e Marcos, nunca deixaram o pais para a grande sorte do São Paulo e do Palmeiras. E é destes velhos nomes que vivemos hoje as nossas maiorias alegrias.
O Brasil é ainda a grande nação do futebol. Temos a capacidade de produzir grandes jogadores todos os anos. A desorganização de nossa dirigência, ainda não conseguiu derrubar com a nossa hegemonia. Sobrevivemos da qualidade que o nosso jogador impõe dentro do campo. E do amor da torcida, fora das quatro linhas. Somos um exemplo incrível de ser copiado por outras nações: clubes falidos, mas com arquibancadas superlotadas. Somos uma nação que nasceu com a bola nos pés.
O que tenho acompanhado em relação ao calvário que o Fluminense vive na atual temporada, me fez lembrar uma crônica de Nelson Rodrigues, escrita para o Jornal dos Esportes em 1959, chamada Amor e Ódio. Nela existe um trecho que tomo a liberdade de transcrever aqui:
“…eu nunca me esqueço de um episódio a que assisti, há muito tempo. O Fluminense acabava de apanhar um banho não sei de quem. Fora uma derrota ignominiosa, que nenhum tricolor esquece. Na saída do campo, em meio a um pesado silêncio tricolor, rompeu um berro solitário e altivo: Fluminense! Não podia haver nada de mais inesperado do que um grito triunfal no momento da tristeza e da humilhação. Foi bonito, foi sublime! O autor desta manifestação isolada era um pobre diabo, um pé rapado, um pé descalço, vestido dignamente de trapos, imundo e insolente. Seria uma figura ideal para empunhar um archote na Revolução francesa...”
O próprio Nelson Rodrigues, por mais uma vez escreveu, que quando um sujeito perde as ilusões, só tem diante de si três caminhos: ou o suicídio, ou a loucura, ou o crime.
Pois bem, o torcedor tricolor, que já conheceu até a terceira divisão e de lá saiu por razões que apenas o Sobrenatural de Almeida poderia explicar, escolheu este ano uma quarta vertente. Gritar o nome de seu clube que nem aquele personagem digno de empunhar um archote na Revolução francesa. 66,000 espectadores e um espetáculo cênico extraordinário. A este torcedor, eu um rubro-negro, feliz e fagueiro, tiro meu chapéu e desejo a ele, a maior sorte do mundo. Pois, merecem.