Multidão ou Solidão?
Os dois extremos da existência humana. Como gerenciá-los se as contingências tornarem assim necessárias?
Alguém pode estar achando que estou na beira da praia mirando o velho amigo Atlântico e como não tenho nada para fazer, passei a filosofar. Quem assim pensou, esta certo. Ou melhor, parcialmente certo.
Visualizo sim o velho amigo de campanha, outrossim, o que estou pensando não me parece filosofia barata. Trata-se de uma situação vivida no dia a dia, intensamente. Explico-me. Quando você participa ativamente de sua vida e procura aproveitar cada segundo da mesma apreciando o que a natureza lhe trás e o que as outras pessoas lhe proporcionam, quando menos se espera você - ser humano normal e ungido com a felicidade de viver - passa a se encontrar no lado da solidão, enquanto aqueles que pensam diferente estão agrupados na multidão. Embora Nelson Rodrigues afirme que a multidão não pensa, existem exceções inseridas na mesma. Não muitas, mas existem.
Charles Beaudelaire, o poeta maldito, dizia que “gozar da presença das massas populares é uma arte”. Ele está certo e os policos são a maior prova disto. Como eu, ele igualmente explicava porque em uma crônica antiga publicada em 1855 no diário Le Figaro chamada Les Foules. A li hoje, logo que a minha casa cheguei, depois de horas no volante. Para Beaudelaire a coisa se resumia da seguinte forma: “... multidão, solidão: termos iguais e conversíveis pelo poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão também não sabe estar só no meio de uma multidão ocupadíssima...”
Horas depois o meu velho Atlântico, dentro da solidão própria dos diferenciados, imperava dentro de uma multidão delirante e ocupadíssima em usufruí-lo.
Fica pensando no trabalho do oceano. Ele sabe seus limites. Beija constantemente a areia que lhe apetece, mas se mantém longe do asfalto e do concreto. O faz por respeito a nossa privacidade. Pois, nos domina quando assim o apetecer. De vez em quanto ele se enfurece e num tsunami toma de golpe aquilo que deseja. Mas passada a fúria. Volta a seu lugar. Usa sua manobra, como um aviso. mas nós nos esquecemos logo, logo.
Ninguém odeia o mar. A maioria o respeita e existem aqueles que nem eu, que o adoram. Mas poucos, eu diria que muitos poucos mesmo, são capazes de parar, refletir e ver o lado dele. Sim até os oceanos tem o seu lado, e nós precisamos entendê-lo.
Imaginem que pessoas vão a praia e quando na água urinam. Dejetos e toda e qualquer coisa que não nos interessa mais, nele é jogado. Os navios o fazem de banheiro. As cidades de depósito de lixo, os governos de locais para pesquisas nucleares. E todos querem que no dia seguinte ele esteja limpo e respeitoso para com aqueles que simplesmente não o respeitam.
Você se manteria calmo, se fizessem isto com você? Duvido que sim.
Dele retiramos alimentos, dele países árabes tiram sua própria água para torná-la potável, dele se aprende muito com pesquisas e mais do que tudo, dele se obtém prazer, principalmente quando a canícula é intensa.
Imaginem uma praia sem areia. Seria o deserto. Acredito que nos desertos, um dia houveram mares, mas eles desapareceram. E creio que de alguma forma a culpa foi nossa. De nossos ancestrais. Hoje o aquecimento global está fazendo que nos pólos haja um degelo. Isto vai afetar a vida de nossos descendentes, pois, estes oceanos que tanto sacrificamos, crescerão consideravelmente de volume, aumentarão sua altura e invadirão aquilo que hoje nos pertence, a terra.
Nos estudos apresentados por Al Gore - que lhe renderam um Premio Nobel justíssimo - vemos que a minha Flórida poderá desaparecer em um período não muito longínquo. Meu investimento em Hallandale Beach irá para as cucuias e eu ainda terei um morgage para saldar.
Penso que deveríamos começar a pensar sobre o assunto. Da mesma forma que preservamos nosso corpo, não comendo aquilo que lhe possa trazer danos, deveríamos fazer o mesmo em relação aos oceanos. Esta água que a pouco me trazia prazer, décadas antes me trazia o mesmo prazer quando eu no Rio de Janeiro morava. Ela é a mesma, apenas viaja pelos quatro cantos do mundo.
O mar é a solidão. Nós a multidão. E Beaudelaire o poeta que tão sabiamente sabe descrever estas duas contingências: termos iguais e conversíveis pelo poeta ativo e fecundo...
Quem não souber povoar sua solidão, por não gostar como eu de misturar-se a uma multidão, que vá o mar e com ele passe a ser dois, e quando existem dois que se amam e se respeitam, nunca haverá mais solidão. Existirá paz e felicidade.
Dá para entender? Ou vou ter que explicar tudo de novo?