quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O CERVANTES, FOI O QUE RESTOU

A MEDIDA DAS COISAS







Porque muitos têm medo de enfrentar o passado? Será que ele o condena? Nem sempre.

Existe um medo próprio que ao se tentar retornar ao paraíso de uma lembrança sempre existirá a possibilidade de deparar-se com o inferno de uma nova realidade. Isto acontece muito com aqueles reencontros de casais de antigos namorados que não se vem em décadas. Um dia se topam no facebook da vida e resolvem reviver os velhos tempos. Acreditem, nunca será a mesma coisa. Nestes casos é sempre preferível se manter estas antigas experiências apenas na lembrança.

Tive uma namorada que se dizia a reencarnação de Joana d’Arc, pelo simples fato de seu primeiro nome ser Joana. Com o tempo descobri que ouvia vozes e vivia entre uma e outra alucinação. Cheguei a acreditar que talvez ela tivesse razão e antes que me tornasse um cavalheiro medieval, peguei minha trouxa e zarpei o quanto antes. Um grande amigo me confessou que tinha outra que só conseguia ter relações sexuais com ele se ele miasse. Não estou brincando. Não servia latir, cacarejar ou mesmo cantar uma ópera. Tinha que miar mesmo. Um nó górdio!

Todavia, aquele que mais tenta apagar as pegadas de um passado é o corno. Afirma-se que o corno, é hereditário. É filho e neto de corno, e normalmente é irmão e primo de cornos. Eu não tenho opinião a respeito, sei apenas que existem dois tipos básicos de cornos. Aqueles traídos por alguém de seu próprio sexo e aqueles que foram traídos por alguém do sexo contrario. Os do segundo grupo me parecem os mais revoltados. Os passivos aceitam e procuram seu caminho e partem para uma nova mulher. Normalmente mais feias que as ex. Creio que o fazem como uma espécie de defesa própria. Os revoltados tomam duas diretrizes. Ou passam a ter ojeriza pelo sexo contrário, ou passam a ser, torturadores do mesmo, levando-as ao oitavo circulo do inferno. Qualquer que seja o caso, ambos procuram apagar os seus respectivos passados.

Mas o passado pode igualmente ser bom. A idade é um castigo merecido, escreveu alguém, que agora não me lembro. Logo lembranças de tempos melhores sempre afloram na mente dos mais velhos. Jovem não tem passado. Está tão ligado no que está acontecendo no presente que ignora o passado e nem se quer preocupa-se com o futuro. O futuro é apenas amanhã, ou depois de amanhã. O importante é viver o hoje, o momento, a balada.

As vezes me vem a minha lembrança, coisas esporádicas. Quem não parecem ter nada a ver nos dias de hoje. E não tem menos. Outra época. Outros costumes. Como por exemplo o Baile de formatura no Copacabana Palace com a orquestra do Waldyr Calmon. O Danúbio Azul em festa de 15 anos, dançada com a irmã. A caça aos submarinos num velho Volkswagen, no Arpoador. A irresponsável corrida de carrinho de rolimã na ladeira da San Roman. O saborear de um cachorro quente no final da noite nos carrinhos do Genial. Aquele sorvete de morango que só a sorveteria Moraes sabia produzir. A pulada do muro do Jockey Club para se assistir as corridas, sem ter a idade permitida para tal. A penetração do baile da terça feira de carnaval no Monte Líbano. O primeiro desfile pelo Salgueiro, ainda na Avenida. O Santos de Pelé. A lambreta. O Renault Gordini. A lança perfume. Os motéis da Barra da Tijuca. O afago no escurinho do cinema. O cine Caruso. O vaga lume. O Caravelle da Cruzeiro. O Chocolate dos Esquilos. O troco devolvido de forma honesta. O Lá Vai bola do Posto seis. O angu do Gomes. O sanduíche de pernil com abacaxi do Cervantes. A discoteca do Chacrinha. A inexistência dos assaltos. A mesa redonda futebolística da TV Rio. O Six em frente a praia. O Maracanã sem briga. Os primeiros números do Pasquim. As meninas do colégio Sion. O beco das garrafas. A canja do Sergio Mendes, fazendo hora para pegar a barca de volta a Niterói. Ben Hur. A Revista O Cruzeiro. O Mangue com suas palmeiras imperiais e putas internacionais. O Assírios com as suas francesas e o Vermelhinho com seus lunáticos. O Jangadeiros. O Veloso. O Zepellin. O Bar da Lagoa. O filé com fritas do Antônios. As crônicas do Rubem Braga. Enfim, todas são grandes lembranças

Com exceção do sanduíche do Cervantes, o resto é só lembranças. Outro dia levei um grupo de amigos do Paraná lá e foi com prazer que matei minhas saudades.

Com isto descobri que o homem não é como dizem a medida das coisas. São estas coisas de qual nos lembramos, que na verdade medem os homens.