quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A ILHA DE SI MESMO

UM PEQUENO TRATADO SOBRE OS CHATOS






Como definir o reacionário? Aquele sujeito que estetiza tudo que chega a seu cérebro? Que mina o intelecto alheio, brecando suas reações emocionais? Que soterra a esperança dos sonhadores e acende a tocha que ilumina a todos aqueles que nunca sonham? Se assim eles o forem, não enxergam nem metade do que lhe é apresentado à sua frente.

Muito revolucionário se torna um reacionário se alguém  condena ou contesta a sua revolução. Este é o primeiro passo ao radicalismo espúrio. Aquele que aproxima o homem de sua caverna. Ele é para mim a definição básica do chato.

Nenhum homem é uma ilha. Aqueles que assim se tornaram não tiveram um final amistoso. Desde que Eva comeu a maça e Caim matou a Abel, sempre existiu a sociedade. No caso dos citados, ainda ínfima, mas já existente, e com problemas inerentes. Logo, querendo ou não, temos que conviver com ela.

Quem se lacra explode. Compra um ticket de apenas ida a lugar nenhum. Sei porque falo isto, pois, eu mesmo tenho a tendência de me isolar. De não atender o telefone. De evitar contatos de terceiro grau. De freqüentar lugares quando estes estão mais vazios. Hoje, adoro a impessoalidade da internet. Estou certo? Evidentemente que não. Minha mulher me lembra isto todos os dias e a todos os momentos.

Ninguém vive para si mesmo. Ninguém escreve para si mesmo. Ninguém pode agir como um ninguém, apenas para preservar sua paz interior. Isto deixa de ser paz e se transforma em solidão. O espelho de Narciso.

A coabitação não impede a felicidade. A má coabitação sim. Esta é uma evidência ainda translúcida na mente de todos

Existe uma mecânica em todo o sistema e a da vida é a de interação com o seu semelhante. Se você dominar esta questão, sempre terá uma vida melhor. É a vantagem dos simpáticos e dos extrovertidos com disconfiômetro” de nunca se deixar chegar ao estágio dos chatos. 


Nada há pior que o chato. Talvez o mau hálito, mas para este existe sempre um solução. Para o chato nunca. Com galochas ou sem galochas, ele enerva.

Não tenho curso em psicanálise e nem mesmo freqüentei o divã alheio, mas sei que o chato é um mal desnecessário. Como a barata e o tubarão. Ele nunca consegue reduzir-se ao seu senso de insignificância. Ao contrario, ele engrandece ao reconhecer um ouvido alheio. Infla-se qual um sapo.

Nelson Rodrigues, um reacionário, a meu ver revolucionário, os definia muito bem. Para este teatrólogo o maior exemplo do chato era o socialista. Aquele que quer equalizar a tudo e a todos. Tem pinta de cadáver de necrotério. Ele é o ex-homem. O ex-pessoa. Que não consegue ter idéia própria. Apenas idéias gerais e comunitárias. Conserva de humano apenas o usado sapato e o amarfanhado terno. Há de se convir, que no tempo do Nelson, terno era uma obrigação masculina, mesmo no Rio de Janeiro.

Evidentemente que não coaduno ipsis literis  com o exagero caricatural, típico dos comentários do Nelson. Mas em tudo que ele dizia e escrevia, havia sempre um fundo de verdade. O chato transgride as raias da razão. Quando eles acordam do silêncio, é você quem sofre, se estiver dentro de seu universo audível. Como a fala de um economista com PHD em qualquer espelunca. Aquela fala que ninguém entende mas que o faz se sentir pequeno, tal a sua total ignorância sobre o assunto levantado pelo mesmo.

E o chato guarda-chuva? Aquele que fala cuspindo a meio metro de seu nariz? E o chato da reunião de condomínio? Aquele que quer monopolizar a atenção de todos para assuntos que teoricamente só competiriam a ele e a ninguém mais. E o chato do elevador, que lhe dá dois bom dias, faz três comentários  e entre o seu andar e o térreo ainda lhe exige quatro respostas? Sempre odiei a promiscuidade dos elevadores e a inenarrável curiosidade do estranho que o coabita por alguns segundos. E o chato fatalista, o Nostradamus de Bangu, que acha que o mundo está por um fio, e nada pode ser feito para salvá-lo? E o chato de lancinante boa fé, que acredita que tudo há de melhorar, mesmo estando ele indo para o cadafalso? E o chato obeso que ocupa a metade de seu assento em um avião, e dorme, normalmente babando e roncando a altura de seu ouvido? E o chato infantil, que a ninguém deixa dormir em uma viagem transatlântica?

Estes são os chatos de nosso dia a dia. Cada um a sua maneira. Cada um com algo que o irrita Mas eles são igualmente importantes, nem que seja para você ter certeza onde terminam eles, e começam os normais seres humanos.

O problema, é que nós não concebemos nossas chatices, e talvez sejamos tão chatos, ou piores, que os que aqui citei. E é ai, em suas inconfessas aberrativas abjeções, que dá uma vontade danada de refugiar-se na ilha de si mesmo.