quinta-feira, 12 de novembro de 2009

DO SEIO MATERNO AO ÚLTIMO SUSPIRO

UMA VEZ FLAMENGO SEMPRE FLAMENGO






Da primeira mamada no seio materno ao último suspiro no leito da morte, o brasileiro tem apenas uma única e irrevogável certeza: o amor por seu clube de futebol.

Qualquer zebra de jardim zoológico de cidade do interior sabe disto. Logo, não estou dizendo nenhuma novidade. Apenas relembrando um fato que é de conhecimento público.

Em todas as fases da vida somos susceptíveis a mudanças. Pequenas, médias ou grandes. O tamanho que mais lhe convier. Já tomei conhecimento de um primo que passou de membro do socialismo delirante, à militante do modus vivendi do capitalismo da direita. Muitos são os casos de mudança de sexo. Políticos mudam para partidos que antes considerava qual inimigos, por conveniência de sua própria agenda. Mulheres trocam a cor de seus cabelos. Gente de parceiros e assim por diante. Mas ninguém troca o Flamengo pelo Vasco, ou o Fluminense pelo Botafogo. O cara que chupou sua primeira chupeta assovindo o hino do Flamengo, morrerá envolvido na bandeira rubro negra. O palmeirense, não quer sequer ouvir falar no corintiano. Que dirá, ser um dia, um deles. É mais fácil se colocar numa jaula um leão e um tigre do que os chefes das torcidas organizadas do Grêmio e do Internacional, ou do Cruzeiro e do Atlético Mineiro.

Time é para sempre. Se escolheu errado quando pequeno, sifo! Azar o seu. Carregará esta cruz pelo resto de sua existência.

Porque você se torna torcedor deste ou daquele clube? Acredito que tem muito haver com seus pais ou a forma com que determinado clube está se saindo na época que você passa a entender um pouco das coisas que acontecem à sua volta. Grandes craques fazem uma diferença danada. Por exemplo, houve a geração Garrincha que fez a torcida do Botafogo aumentar de uma kombi, para um ônibus. Houve a geração Zico que duplicou aquela que já era a maior torcida do planeta. Houve a geração Castor de Andrade, um corretor de animais que fez o Bangu virar time de primeira liga e a Mocidade de Padre Miguel, escola de samba vencedora. Houve até um tempo, em que gente aderia ao América. Hoje não conheço nenhum ser humano de menos de quarenta anos, que torça pelo clube do Andaraí. O Romário talvez tenha sido o último.

Outrossim, a maior sensação que um menino carioca tem, é quando pela primeira vez é levado ao Maracanã. Aquele verde, aquelas cores das torcidas. Toda aquela imensidão do grande estádio em dia de festa fica gravada para todo o sempre em sua mente. Eu me lembro, como fosse exatamente hoje, entrando por um dos acessos e pouco a pouco tomando conhecimento do som e das imagens daquele estádio em dia de Fla-Flu.

Sou do tempo que jogo com menos de 100,000 pagantes era joguinho. O outro time tinha que ser o Madureira ou o Olaria. Hoje para se colocar 80,000 tem que ter algo muito especial por trás da peleja. Sim era assim que os antigos locutores se atinham a um importante jogo. Peleja. A bola era chamada de balão de couro. O escanteiro de corner. Impedimento de off-side O goleiro de guarda metas. Havia Center Four e até pontas e laterais. Jogava-se no 4-2-4 e depois do evento Zagallo no 4-3-3. Outro mundo.

Um mundo de linguajar distinto. Senhoras e senhoras estamos aqui nesta tarde de intensa magnitude, ante a um céu plúmbeo e uma audiência de mais de 100,000 espectadores presentes ao gigante, para presenciar a mais um embate entre o rubro negro da Gávea e os guerreiros da colina de São Januário. Era assim que locutores como Oduvaldo Cozzi, Waldyr Amaral e outros teciam suas aberturas solenes. A mera descrição de uma bola que havia passado a cinco metros do poste, era levada a efeito como um tratado de Camões. Descrito em seus mínimos detalhes e confirmado pelo repórter de plantão atrás do gol. Era a época do rádio. Uma época em que as partidas eram muito mais emocionantes ouvidas neles, do que assistidas nos estádios.

Não importa, o exagero ou a realidade. Uma vitória retumbante de seu time contra aquele seu maior rival no domingo, faziam as coisas se tornarem mais doces, segunda pela manhã à chegada em seu trabalho. Nero seria capaz de chamar os bombeiros. Messalina de se tornar freira. Judas de recusar o dinheiro fácil. Napoleão de beijar os ingleses. O Sarney de dizer coisa com coisa. A grande vitória operava verdadeiros milagres. Hoje já nem tanto. Gera brigas e verdadeiras batalhas campais.

Existe hoje também imparcialidade nos comentários. Descreve-se o que aconteceu. No meu tempo não. O futebol era mais folclórico. Sonhava-se mais. Havia muita mais imaginação. Ari Barroso roubava para o Flamengo no rádio. Nelson Rodrigues via coisas no Fluminense que nem o sobrenatural de Almeida sequer sonhava em ver, no Jornal dos Esportes. João Saldanha puxava sempre para o Botafogo e saía no braço por ele. O Lamartine Babo caprichava mais no hino de seu América do que dos outros. Os jogadores nasciam e morriam defendendo o mesmo clube. Se identificavam com ele. Tornavam-se simbolos. Hohe os que o fazem, o fazem por 15 minutos. Alguém já imaginou o Pelé com a camisa do Corinthias, o Zico com a do Fluminense, e o Garrincha – em forma – com outra que não fosse do Botafogo?

Era um outro tempo, uma outra realidade. Uma realidade irreal, mas gostosa de se viver.