quinta-feira, 19 de novembro de 2009

CHUVA SEM GALOCHAS


ONDE ESTÃO AS GALOCHAS?






Existe coisa mais desnecessária e ao mesmo tempo necessária que a chuva? Não conheço nenhuma outra com tal intensidade. 

A chuva é molhada e as vezes pegajosa. O obriga a usar utensílios que normalmente você não utiliza no dia a dia de sua existência. Utensílios como a galocha e o guarda chuva.

Galocha é uma coisa ridícula e guarda-chuva juntamente com o óculos é a coisa que você mais perde. Agora os celulares parecem que estão fazendo frente ao até então domínio dos guarda-chuvas. Eles não devem ser usados durante a chuva. Enguiçam ao contato com a água.

O guarda-chuva, vive que nem o brasileiro: pendurado. E também como o brasileiro ele muitas vezes é esquecido e colocado de lado, à chegada da casa de quem quer que seja. Quando eu era um guri, tive um galocha. Era vermelha. E eu rezava pelo dia em que a chuva iria cair, para eu poder estrear a minha reluzente galocha.

Logo após que adquiri minha galocha, estabeleceu-se um grande estiagem no Rio de Janeiro. Meses sem chover e meu pé crescendo. Temia, que quando a necessidade se fizesse, meu pé não desse mais na galocha. Pensei naqueles índios que dançavam danças rítmicas cujo o intuito era o de atrair a chuva. Mas a danada não vinha, a canícula era arrebatadora e eu todo dia a olhar minha galocha. Todo o dia a experimentava para ter plena certeza que ela estava pronta para qualquer eventualidade.

E este dia chegou. Caiu uma forte tromba dágua, daquelas que apenas o Rio de Janeiro sabe realizar. Inundou tudo. Carros boiavam e eram levados pela correnteza, empilhando-se ao encontro com o primeiro muro. Mas senti-me feliz. Mesmo ouvindo Don Elder, com aquela sua voz melodiosa afirmando que: Orós precisa de nós! Orós podia até precisar de nós. Mas o que eu mesmo precisava era de minhas galochas. Corri para pegar minhas galochas, pois, formara-se a oportunidade que eu tanto ansiava.

Susto apocalíptico. Transcendental. Minhas reluzentes galochas, já não mais se encontravam por lá. Seu lugar, o canto da sala de leitura. Meus olhos imediatamente se encheram de lágrimas. Senti falta de um chão abaixo de meus pés. Minhas pernas fraquejaram e ao arguir a minha vó onde estariam minhas galochas, sua resposta me deixou ainda mais apreensivo. Lá fora armara-se um dilúvio.

Um dilúvio? Então eu precisaria na verdade de uma arca, não apenas de minhas galochas. Corri para trazer a meus braços, minha cadelinha pequinês, a Lady. Afinal o tal de Noé era um anti-social. Recolhia apenas os animais. Deixava que seus semelhantes se afogassem.

Senti-me completamente perdido. Foi quando então passei a odiar a chuva. Tinha seis anos de idade e já era capaz de odiar algo. Algo que não compreendia. Algo que não entendia. Algo que simplesmente não tinha para mim não tinha nenhum sentido. Não a temia. Apenas a odiava. Nunca mais tive uma galocha. Nunca mais comprei um guarda-chuva. Nunca mais me deixei levar nem mesmo pela beleza que uma tempestade trás em seu entorno.

Ai eu cresci e descobri que sem a chuva, não haveriam árvores, vegetais, vida na terra. A chuva era o fator equilibrador de uma natureza que fora desenhada para sobreviver com ela. Para se aproveitar dela. Foi quando pela primeira vez tomei conhecimento que deveria a saber conviver com aquilo que não entendia, mas que fazia sentido na ordem natural das coisas.

Logo a seguir, tomei conhecimento do filme singing in the rain, e vi Gene Kelly dançar, cantar e curtir com seu guarda chuva e uma série de poças de água, até a chegada de um guarda. Tudo fazia sentido, até o fato dele não estar usando galochas. Havia chuva, havia poças d’água, havia guarda-chuva, até um guarda, sem guarda-chuva, porém, nenhum par de galochas. Logo, o incompreensível, tornou-se claro e límpido como a água que torrencialmente caía. A única coisa sem sentido eram as galochas. Aquelas mesmas galochas que um dia tive e nunca as usei.

Hoje não apenas respeito a  chuva como tenho até uma certa afinidade para com ela. Perco guarda-chuvas assim como óculos e não visualizo mais ninguém usando o diabo das galochas. Será que elas ainda existem? Teriam elas realmente um dia tido utilidade? Por favor me respondam, onde estão as galochas? Será que realmente um dia elas existiram? Ou tudo não passou apenas de um sonho de criança?

Porque escrevo sobre isto? Porque hoje choveu aqui em Lexington. Aquela chuvinha fina, irritante que vem para ficar. O sol que tanto amo e de quem tanto necessito foi envolvido em nuvens negras e simplesmente não interagiu. Tudo era lama a minha volta. Foi quando senti falta daquelas galochas que nunca usei.