domingo, 20 de setembro de 2009

UMA VOLTA AO PASSADO

UMA VOLTA AO PASSADO





Não acredito que exista presente sem passado, 
pois a formação de qualquer ser humano se faz em cima daquilo que ele vê, 
aprende e absorve para todo o sempre. 
A literatura é um exemplo disto. 
Sheakespeare está vivo na Inglaterra.
 É importante que Machado de Assis, Lima Barreto e outros 
se mantenham vivos para que as novas gerações tenham 
o igual prazer que tivemos deliciando-nos com suas histórias.


Muitos já deve ter ouvido falar de Manuel Bandeira. Mas não acredito que muita gente o tenha lido. Principalmente no tocante as suas crônicas no Jornal do Brasil nas décadas de 50 e 60. Pois é, meu pai era um leitor das mesmas e sempre as enaltecia. Os anos me fizeram procurá-las e lê-las.


Manuel Bandeira era de uma pluralidade digna de nota. Tinha muitos recursos, outrossim a coerência para mim era o seu ponto mais distinguível. Apresento aqui alguns trechos de três distintas crônicas escritas por ele.


... Rio querido! Conheci-te ainda provinciano, embora capital. Num tempo em que as cidades não se construíam em três anos nem os homens enriqueciam em três dias. Foi em 1896. Contando não se acredita: nas laranjeiras de minha infância, sossegado arrabalde (já sem laranjeiras), os perus se vendiam em bandos, que o português tocava pela rua com uma vara apregoando:


Eh peru de roda boa! Aporta de casa tomava-se leite ao pé da vaca. Não havia ainda automóveis. O rio tinha ainda quinhentos ou seiscentos mil habitantes. E os brasileiros invejavam os argentinos porque Buenos Aires já tinha um milhão. Como éramos ingênuos!


Vamos a outra, quando ele comentava sobre a proposta de um arquiteto ao então governador do Rio de Janeiro, sobre erigir edifícios de 15 andares para a instalação de sepulturas e ossários.


... há muito que nós, os vivos, a maioria dos vivos, vimos perdendo, no Rio e em São Paulo, o prazer de morar em casa, com jardim e quintal. Agora vai chegar a hora dos mortos, até hoje talvez felizes nos seus parques, muito estragados, é verdade, pelo mau gosto dos vivos, mas em todo o caso e apesar de tudo amoráveis com as suas árvores, os seus pássaros, as suas orvalhadas da aurora e do entardecer.


A morte sempre nos pareceu coisa horizontal e até moralmente niveladora. Sempre nos pareceu também a forma última da lei da gravidade. Desde que nascemos a terra nos chama, nos atrai, às vezes mansamente, como no sono em boa cama, às vezes com violência. Depois da morte vinha a grande comunhão no seu seio hospitaleiro, jamais recusado a ninguém.


Os cemitérios verticais vão afastar os mortos da natureza...

E aqui vai uma terceira.

... carnaval no Rio houve. Mas foi no tempo em que ainda existia a rua do Ouvidor. Porque essa que ainda chamam assim não é mais a rua do ouvidor, a que Coelho Neto chamava nos seus romances a “ grande artéria”…


… a abertura da avenida Rio Branco foi o primeiro golpe sério no carnaval. A festa diluiu-se, perdeu o calor que lhe vinha do aperto...


...vale a pena lamentar? O carnaval está morrendo, outras coisas estarão nascendo. No tempo dos bons carnavais não tínhamos o espetáculo das praias. A vida é renovação. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, disse o poeta máximo da língua, e outro disse que “isto é sem cura”. Quem não estiver contente com o presente, viva, como eu, das saudades do passado.

Fico imensamente feliz de ver que algumas editoras estão resgatando estas relíquias que não podem ser perdidas ou esquecidas. Elas fazem parte da formação de alguns, como eu que ainda estou vivo. A Global editora lançou dentro de sua série Coleção Melhores Crônicas, uma seleção erigida por Eduardo Coelho para Manuel Bandeira.

O que esperar? Manuel Bandeira era rigoroso e preciso como Carlos Drummond de Andrade o foi em se tratando de fatos históricos e comparações entre as diferentes épocas. Ou como diria o escritor Paulo Mendes Campos, “Manuel Bandeira cronista talvez possa ser simplificado nesta caricatura: ele lambeu, da meninice até o fim, por disposição de corpo e alma, os sabores do Brasil”.

Depois disto dito, a meu ver, nada pode ser somado. Manuel Bandeira é produto de uma época, mas como outros gênios da arte de escrever, extrapola o tempo. O que escreveu é para todo o sempre, pois, sua sensibilidade ali está presente em cada palavra, em cada acento, em cada observação.
albatrozusa@yahoo.com