sexta-feira, 11 de setembro de 2009

E LOS JACARÉS

E los Jacarés


Somos o rei do otimismo.
Talvez por isto o Brasil tenha sobrevivido a tantas penúrias governamentais.
Mas não desfrutamos de parcerias em nosso continente.
Vejam se não é verdade.

Marquito Bittencourt. Era lobista em São Paulo e por duas vezes fora lembrado para ser o homem do ano pela Veja. Só não recebeu o prêmio, pois, não conseguiram especificar sua real profissão. Tinha meia-idade, usava gomalina, nunca fora visto sem gravata em momento algum e sempre trazia à boca, um grosso charuto cubano. Inspirava confiança e exalava sucesso pelas orelhas. O perfil do bem sucedido.

Alejandro Gonzalez de Aguirre era argentino, nativo de Buenos Aires, morava numa mansão em Palermo Chico que pertencera a seu avô e se vestia e se portava, como um portenho. Pertencia a aquelas centenárias famílias, que no inicio do século possuíram uma enorme estância. Aí o patriarca da família morreu e aquela enorme estância foi dividida entre os seus seis filhos que passaram a possuir boas haciendas, mas a manter os mesmos hábitos de gastar de seu pai. Uma geração seguinte e as seis haciendas foram herdadas pelos netos e a velha propriedade passou a ser um somatório agora de 48 pequenos sítios. Mas o gosto dos netos do velho Aguirre continuaram inalterados. Viviam e gastavam que nem o saudoso avô. Logo foram os anéis os dedos e tudo mais. Como Marquito, Alejandro também sempre se apresentava de terno, mas ao contrário do corte italiano escolhido pelo brasileiro, se utilizava do estilo inglês. Seu objetivo, sobreviver. Seu sonho, vender a mansão em Palermo Chico para uma embaixada árabe e viver em Punta Del leste, o mais perto possível do cassino.

Diego Montaña era o uruguaio. Gordo, simpático de aspecto bonachão, mas capaz de lhe arrancar seu último vintém, numa fração de segundos. Seu apelido era favorito, pois como na gíria turfística, não pagava absolutamente nada. Nem promessa. Usava terno com colete xadrez, óculos dos anos 60 e relógio de corrente. Tinha um pequeno apartamento hipotecado em Punta del Leste onde desfrutava o verão.

- Perdoname, Marquito, mas una idéia que está cem anos a tu frente não me parece exeqüível para lo tempo atual - contemporizou o argentino, no melhor portunhol que poderia gerir.

- E cem anos é muito tiempo para se quedar.... - completou o uruguaio, pois, ainda não visualizara aonde poderia ganhar.

Marquito já esperava por aquela barreira inicial. Típica dos povos hispânicos. Ai jogou com o fato histórico!

- Quando em 1923 Walt Disney, alugou uma câmera e montou na garage de seu tio em Los Angeles seu primeiro estúdio, fazer desenhos animados parecia ser uma loucura. Mas colou. E vocês sabem porque? Porque a idéia era inovadora. Branca de Neve e os sete anões em 1937, Pinnochio em 1940, Dumbo em 1941, Bambi em 1942 e depois a Disneylândia em 55, a Disneyworld em 71. E agora Eurodisney.

- Papá tem um terrenito que não fica muito lejos de Montevideo...”

Marquito interrompendo ao uruguaio, voltou a atacar no velho estilo brasileiro, aquele já conhecido pelos habitantes dos países limítrofes como um misto de otimismo cego, idealismo evasivo e loucura desvairada.

- É uma idéia totalmente inovadora que vai balançar com os alicerces das Disneyworlds antigas. Hoje pesadas pelo conservadorismo. Crianças não são mais débeis mentais. Elas hoje raciocinam como os adultos.

- O idealismo é extraordinário meu caro Marquito, mas chega una hora que lo custo se torna proibitivo. Porque não construímos esta sua Selvaworld nos subúrbios de São Paulo ou nas cercanias de Montevidéu? - discordou Alejandrito polidamente.

- Lo terrenito de mi papa... - tentou mais uma vez o uruguaio, que sentira uma brecha para faturar algum. Mas interrompido que foi novamente pelo brasileiro, calou-se a seguir.

- Vocês ainda não entenderam o espírito da coisa. A coisa tem que ser real. O erro da Disneyworld é porque tudo é falso. Os peixes são de plástico. Os animais selvagens são mecânicos e lá, até as árvores não são confiáveis. Em nossa Seaworld tudo será real.

- Não tengo tanta certeza em relação a ustedes brasilhenos, mas nós argentinos, não morreríamos infelizes sem uma Disneyword.

- É o que você pensa. Nos sul-americanos, somos também americanos mais infelizes do mundo. Sonhamos como os yankees, mas não vivemos como eles - Os dois cucarachos se olharam. - Olhem a natureza a sua volta. O barulho dos macacos, o silvo do vento nas folhas das árvores, os jacarés boiando neste rio. Tudo isto é real. É nos construiremos nosso parque ali, depois do rio.

- Vai salir mui caro - atalhou Alejandrito coçando sua vasta cabeleira grisalha.

- E los jacarés...? perguntou apavorado o uruguaio sem conseguir tirar os olhos do rio.

- Meus amigos. Dinheiro nunca foi problema. A falta dele é que é o problema. Esqueçam os jacarés, olhem o futuro, imaginem aquilo cheio de crianças entretidas e turistas desbravando a selva e gastando o seu dinheirinho para tirar uma foto com animais selvagens?

- Los jacarés... - murmurava o uruguaio já aterrorizado.

O brasileiro era louco, imaginou Alejandrito cujo único ideal em sua vida agora, era vender sua casa, abrir uma continha no Bank of América e viver o resto de sua vida, longe do Menem, do De la Rua, do Dualde, do Maradona e do Cavallo.

- Deixem de frescura. Vamos atravessar o rio e vocês poderão ver melhor a coisa, pisando no futuro.

- E los jacarés? - voltou a argüir o uruguaio.

E foram, ou melhor quase todos foram... Para tornar uma longa estória, numa estória curta, cabe-se se dizer que vinte anos depois, a Selvaworld nunca veio a sair do papel. Alejandrito, que não conseguiu vender aos árabes a sua mansão, continuou em sua vidinha, comendo sardinha e arrotando salmão. Quanto a Diego. Bem, este não atravessou o rio, não entrou no projeto e ainda por cima, a sorte lhe virou às costas nas mesas de 21. Sua últimas palavras antes de se suicidar foram; - Los jacarés, tudo culpa de los malditos jacarés...

Pois é, a história normalmente se repete. O Brasil continua em sua faina de atravessar rios. Os argentinos de se contentar com o passado e os uruguaios se mantém aterrorizados com os jacarés.

Este é o retrato do cone sul, da América do sul.
albatrozusa@yahoo.com