quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O ARRASTÃO

O ARRASTÃO



O arrastão está se tornando uma marca nacional. 
Não é mais um must apenas carioca. 
Exportado como tecnologia do Rio do Janeiro, 
hoje é aplicado em outras plagas.

Outrossim, uma coisa é certa. Com todos os problemas que nos afligem, você pode até deixar o Rio de Janeiro, mas creiam, o Rio de Janeiro nunca deixa você, esteja você onde estiver.

O Rio de Janeiro é que nem aquela mosca azul. Depois que você é picado, não tem mais jeito. Estará infectado para todo o sempre. Existiria algum razão? Acredito que sim. O Rio de Janeiro não é apenas um estado da união. Ele é um estado de espírito. Engajamo-nos nele, a primeira palmada do pediatra. A prova disto é simples de se verificar. Para ser considerado mineiro, você tem que ter nascido em Minas Gerais. Gaúcho, no Rio grande do sul. Paulista em São Paulo. No Rio é diferente. Carioca é todo aquele que mora no Rio, independentemente de onde ele nasceu.

Vou dar um exemplo. Era uma sexta feira, daquela ensolaradas que apenas Dezembro lhe pode proporcionar. Um amigo meu argentino e que viveu grande parte de sua existência no Rio de Janeiro um dia andando comigo no calçadão de Copacabana, ali pela altura do hotel Copacabana Palace, deu de cara com outro amigo, que segundo entendi era do Ceará, mas que vivia no Rio de Janeiro a mais tempo que ele. Logo, era o encontro de dois adotados pela cidade maravilhosa.

Se abraçaram, se beijaram, fizeram uma festa digna de dois velhos companheiros de longas jornadas bem aproveitadas, que não se viam há mais de 15 anos. Foi até bonito de se ver. Ai, o Alejandrão vira para o recém chegado e diz com aquela sua voz solene de tenor de Ramos Mejia: Faremos o seguinte. Amanhã as quatro da tarde vamos nos encontrar na pérgola da piscina do Copa para colocarmos nossa conversa em dia.

O outro imediatamente concordou. Voltaram a se abraçar, a se beijar e seguiram seus caminhos.

Deixei passar alguns passos e lembrei ao Alejandrão que no dia seguinte exatamente as 4 horas tínhamos combinado de ir ao hipódromo da Gávea, onde tínhamos uma transação comercial a se completar que para mim era de suma importância.

Ele me olhou no fundo dos olhos e com aquela sua expressão de eterno sarcasmo complementou: Não se preocupe, ele não virá.

É este o espírito que chamo do carioca. Aquele que você pede para o outro lhe telefonar, mas nunca deixa o seu telefone. Que marca as 8.30 e chega as 9.45. Que sempre deixa para amanhã aquilo que deveria ter sido feito ontem. Que acha que o chope gelado no barzinho da esquina faz parte de seu trabalho de observador da humanidade. Do maracanã, da escola de samba, da umbanda, do eterno descompromisso com a responsabilidade impura. E assim por diante.

Não quero dizer com isto que o carioca não trabalhe, embora aquele numero imenso de gente na praia cedo pela manhã possa dar esta a impressão ao turista que nos visita. Temos responsabilidades como os paulistas, mineiros e gaúchos, apenas que ao contrário da maioria deles, trabalhamos para viver, nunca viveremos para trabalhar.

Curtimos o Rio de Janeiro como um amigo, um companheiro, nunca como a cidade que acordamos, trabalhamos, nos alimentamos e dormimos. Nós o curtimos a cada minuto. Dividimos com eles nossas alegrias e esquecemos em seus braços de nossas tristezas e frustrações. O amanhecer no Leme e o por do sol visto do Arpoador são incomparáveis. O sol parece sorrir ao nascer e chorar ao entardecer. Aliás, é o único que trabalha full time por ai...

E a noite na Lapa, a fugida a Santa Tereza, o papo com os amigos no final do Leblon? Outros sintomas desta necessidade de se viver uma cidade em todo e qualquer minuto de sua existência.

Não temos mais os bondes. Na verdade nem lembro deles. Creio que nem mais de minha época eram. Porque não os mantivemos como San Francisco? Eram um charme. Melhores que os expressos da morte, odiados por todos, tanto que são sempre os primeiros a serem queimados quando por algum motivo a população de baixa renda se revolta.

Baixa renda... alta renda... média renda ... sem renda. O que isto importa no Rio de Janeiro? Nada. Pois nada difere o carioca quando ele parte para praia. Uma sunga ajeitadinha e um bikini cavado, uma toalhinha nos trinques e ninguém sabe quem você é ou deixou de ser. Só não vale estar gordo ou branco azedo. Aí toma areia.

O Rio é o Rio, porque nós cariocas assim o moldamos.

E o arrastão? Tá aí uma coisa que incomoda...