sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

CAPITÃES DA AREIA




PEDRO BALA, DORA, GATO, SEM-PERNA E CIA...

Existem coisas gratificantes nesta vida. Enumerá-las faria esta coluna, infindável, pois o simples ato de viver é relevante. Todavia, creio que ler, é das experiências do dia, uma das mais gratificantes. E penso que em inúmeros sentidos. Primeiramente que você se transporta de seu mundo, para um outro mundo: aquele montado por aquele que escreveu. Segundo por que você passa a vivenciar a maneira de pensar do escritor e a sentir o momento em que ele transforma as letras de um a frase e as frases de um capitulo, num depoimento particular.

Acredito que poucos, mas muito pouco mesmos, conseguiram transmitir com tanta clareza e com tanta exatidão o cenário de um Brasil, mais precisamente de um estado como a Bahia, como Jorge Amado o fez. Este baiano era um misto de contador de histórias e psicanalista das multidões, Sua explanação simples e segura, o transporta para um mundo por ele descrito, não de ficção, mas que existe e você pode quase que tocá-lo.

Alguns vem em Gabriela Cravo e Canela ou em Dona Flor e seus dois maridos, o apix de sua peregrinação literária. Não creio que estes que assim o fazem estejam errados. Porém, acredito que a obra de Jorge Amado, toda ela em seu conjunto, seja na realidade o apix. Em todo e qualquer de seus livros, existe um ensinamento, uma observação critica, um conselho amigo, que eleva este grande baiano, a condição de um dos maiores escritores na America Latina. O considero no nível de um Gabriel Garcia Marques. Mas mesmo admirando a qualidade de sua obra literária como um, vejo o antigo Capitães da Areia, que comentei ontem aqui mesmo nesta coluna, como sua obra máxima. Assim o faço porque ela mesmo sendo escrita em 1937 é atual. Poderia ser escrita tranquilamente ontem. Ela é atual. Ela é perene. Para mim ela é transcendental.

Poucos livros me fizeram rir e chorar. O Capitães da Areia certamente foi um deles. Mas quase nenhum me fez pensar e refletir como ele. Nenhum outros me fez viver uma situação ao qual nunca pude vivenciar em vida, já que abonado fui com a sorte de ter um lar, uma família, e uma chance de ser o que sou.

O drama da menina Dora que se fez mulher minutos antes de morrer, a vocação de Pirulito. A luta do humilde padre José Pedro, em enfrentar seus superiores para ajudar a um grupo de meninos abandonados. A luta interior do Sem-Pernas em refugar o amor dado por quem quer que fosse. As leituras e as pinturas do Professor. A facilidade de sobreviver de Gato e Boa Vida. O veneração de Volta Seca a Lampião, seu padinho. O perfeito senso do que é certo e errado, de um negro analfabeto e de mínima inteligência como João Grande. A liderança inquestionável de Pedro Bala, que descobriu ser a sua vocação de lider revolucionário, hereditária. A opressão das autoridades, da sociedade e da igreja. A varíola. A pobreza. A violência. Tudo isto Jorge Amado consegue transmitir em palavras dentro de um texto límpido e fácil de se absorver.

Os capitães da Areia existem até hoje. A diferença neste 70 anos que separam a origem da história aos dias de hoje, é que os novos capitães não tem o senso de honra que os marginais dos anos 30 tinham em relação a aqueles que o cercavam. Não sabem distinguir o bem do mal, pois, só acreditam na força do ódio e das armas que empunham. Hoje não mais punhais e navalhas. Hoje possuem metralhadoras e rifles, apoio logístico e a força financeira dos cartéis de narcóticos que dominam a maioria dos morros cariocas.

Ambos vêem a cidade onde vivem como inimigas. As instituições para eles são apenas órgãos punitivos. Sabem que não existem reformas, dentro dos reformatórios. Apenas mais deformações. Outrossim, repelem todos estes seus inimigos de formas distintas, pois, os tempos são distintos e a inoperância de nossos órgãos apenas aumentaram

Acho que a primeira coisa que um presidente de nosso pais deveria fazer, logo após, ter assumidos seus poderes, é o de ler Capitães da Areia e refletir sobre a fluidez de um texto repleto de avisos. Avisos que nunca foram ouvidos. Os Pedros Balas de Jorge Amado, são hoje os Pedro Mísseis de um Brasil que vê seus helicópteros derrubados e utilizados para libertar presos em estabelecimentos de segurança máxima.