segunda-feira, 5 de abril de 2010

VOCÊ JÁ ACHOU O SEU RIO?



O RIO QUE DEVEMOS PROCURAR, 
PARA APENAS O VER PASSAR

Quando de alguma forma alguém fala ou eu simplesmente lembro de um escritor mineiro, imediatamente os que vêm à minha cabeça, são os três mosqueteiros das alterosas, que como na obra de Dumas, eram quatro: Paulo Mendes campos, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Helio Pellegrino. Todos já, infelizmente desaparecidos.

Acho a vida mal feita. Escritores deveriam se manter vivos para sempre. Não defendo esta tese em causa própria, mas imaginem um machão de Assis, um Lima Barreto, um Jorge Amado, um Marques Rebello, um Graciliano Ramos, um Nelson Rodrigues ainda vivos.

Mas Minas Gerais produziu zilhões de escritores. Porque? Porque mineiro fala pouco, observa muito e acaba colocando no papel, aquilo que interessa a ele, que o carioca, o paulista e os demais brasileiros, saibam.

E creio que o maior deles, entre os modernos seja sem sombra de dúvidas, Carlos Drummond de Andrade. Nascido em Itabira, creio que ele possa ser considerado o mais importante poeta da era moderna de nossa poesia. Por cabeça ganha de Vinicius. Mas ganha.

Mas ele foi homem da crônica e das pequenas histórias. Estas últimas que ele sabia contar como ninguém. Lembro-me de uma, aquela da reunião a portas fechadas da diretoria de uma grande empresa. O presidente convoca a todos, fecha a porta e avisa a secretária que nem ao Papa ele atenderia. Implica com um que está desenhando e com outro que brinca com um lápis. Exige a todos foco e atenção. Foi quando alguém à porta bate. Ele alucina e imediatamente lhe vem a mente a possibilidade de demitir ao chefe da portaria. Ai pesou os bons serviços do velho empregado, acoplados a tremenda pensão que teria que pagar, moral da história: arrefeceu seu ânimo.

Abriu a porta e deu como uma senhora. Vou chegar direto ao ponto, pois, este conto deve ser lido por todo aquele que goste de ser chacoalhado no seu eu.

O passarinho da senhora tinha morrido e ela queria apenas enterrar seu falecido amigo no jardim da cobertura do prédio, de onde de sua varanda ela poderia ver onde ele descansava. Como por milagre a couraça do grande empregado se desfez, e o ser humano voltou a estar presente. E ele não só concordou como compareceu ao enterro e ajudou a enterrar o passarinho.

E a reunião? Aquela que decidiria de uma vez por todas os destinos daquele importante empresa? Foi para as cucuias! Existiam coisas mais importantes na vida.

Pois é, sempre existem coisas mais importantes na vida. A gente as vezes se esquece delas e mergulha de cabeça, nos oceanos revoltos formados pelos problemas, achando que a solução dos mesmos lhe trará a felicidade e paz de espírito que tanto almeja. Quando na verdade em um pequeno ato, você acabará por ter mais prazer e certamente mais reconhecimento interno.

O José Guilherme é um medico consagrado. Estava conosco nesta expedição ao pantanal. Mandei para ele as fotos que tirei e ele, como homem sensitivo que é, imediatamente reconheceu aquilo que o conto de Drummond tenta resgatar em nós. Vejam a resposta que ele me deu:

Em relação ás fotos: as da beira do rio mostram bem a minha alegria, o meu estado de espírito, quando estou ali; as do refeitório parecem colhidas de um velho médico, preocupado, em consultório...

Adorei as primeiras e fiquei reflexivo em relação ás outras: acho que preciso ficar mais tempo vendo um rio passar á minha frente, pescando, desligado, com o pensamento voltado para o momento da chegada do peixe, envolto naquele ambiente, que você, com grande sensibilidade, tão bem retratou nas suas crônicas.
Obrigado.

Um grande abraço”,


José Guilherme

Todos nós temos que escolher os nossos rios. Sejam eles calmos ou bravios, pequenos ou gigantescos, caudalosos ou rasos, de águas turvas ou cristalinas. Não importa. Importa apenas que sejam aqueles em que possamos, dentro de nossos barcos, sentir que estamos vivendo intensamente as nossas vidas. Aqueles que nos façam sentir realizados conosco – ao simples fato de vê-los passar - e que nos façam não só gostar de nós mesmos como também das pessoas mais queridas que nos cercam.

Como no conto de Drummond, onde o diretor secretário que tinha pressa em discutir e achar respostas um problema sério, desmontou-se. Problema, que problema? Nós criamos os problemas. Nós determinamos seus pesos e seu tamanhos? Nós somos aqueles que quando não temos um, fazemos uma força danada para criar outro. Mas tudo isto evaporou, como uma névoa de inicio de manhã com a chegada do astro maior, que a tornou pequena, inócua, dispensável. O sentimento de perda do passarinho é este astro maior. Sua transcendência é maior e muito mais importante que a análise do balancete de uma empresa.

Procure o seu rio, para o ver passar. Ele pode estar bem na esquina de sua própria casa.