terça-feira, 30 de março de 2010

DIÁRIO DO PANTANAL - 4 - UMA LUTA DESIGUAL

Pantanal - Renato Gameiro  e seu primeiro peixe 

O MEU PEIXE DE CADA DIA

Quando nos deparamos com algo inaceitável ou excessivamente repulsivo, a reação normal de um ser humano relativamente normal pelo parâmetros vigentes é a de reagir contra a ação que o abomina. E quando em situação análoga somos surpreendidos com algo aceitável ou excessivamente adorável? Qual seria  a nossa reação dita como previsível. Abraçarmo-nos a ela?  Deveria ser assim, mas nem sempre o será, pois, nos julgamos normais, mas nem sempre o somos.

Nunca havia pescado em minha vida. Isto dito por um cara que completa este ano 60 anos, pode parecer uma situação esdrúxula. Puxa, o cara não teve infância como o nosso amantíssimo presidente. Coitadinho, votemos em mais um filho de Brasil, afinal minha mãe igualmente nasceu analfabeta. Só foi alfabetizada a partir dos quatro anos de idade...

Outrossim, defendo-me. O urbano, como eu, acostumado ir a peixaria quando necessita de peixe, acaba por se afastar daquilo que é uma ação normal, diária, principalmente para aqueles que necessitam da pesca ou da caça, como meio de sustentação. E até mesmo por meros motivos de  recreação.

Existe toda uma temática na pesca do pantanal. Áreas preservadas, tamanho de peixes escalonado por espécies, fiscalização constante por parte das autoridades, cadastramento dos pescadores, coisa que me deixou perplexo pela forma como é levada. Levada a  sério na teoria, mas não muito na prática, por ambas as partes: Seria digno de palmas, pois a ideia básica seria a da preservação de certas espécies. Todavia, muito peixe foi pescado, pelo grupo que participava e 80% voltou ao rio, por não estar dentro das normas exigidas. É religioso. É cumprido a risca. Mas determina, ao mesmo tempo denuncia a escassez do viável a se pescar. E aquelas reservas ditas como proibidas a pesca, foram invadidas por dezenas de barcos provenientes dos 5 ou 6 grandes barcos atracados na região.

Por isto talvez, esteja difícil de se achar peixe grande. Ou eles adquiriram experiência e fogem das iscas, ou estão raros de se encontrar, pois foram pescados a revelia. Não tenho conhecimento de causa, para afirmar.

Em um barco com o Ronaldo Cristiano, o Barnes para o Afonso, nosso barão comodoro, seguimos com um guia, o Barata, aquele que conhece todos os meandros do rio. Saímos a procura numa tarde muito abafada de peixes, para mim qualquer um servia, desde que nadasse. É impressionante como o barqueiro se embrenha nos braços do rio e acha a região onde se encontra infestada deste ou daquele peixe.

O dado curioso, o rio se move, e com ela a vegetação formada por verdadeiros cachalotes que nele bóia. Assim a planta baixa de nossa expedição, modifica-se. Aquilo que era entrada, pode estar bloqueado segundos depois, como num cidade em que as mãos das ruas e seus acessos pudessem mudar a cada hora. Mas Barata conhece as estrelas do céu, os picos das serras adjacentes, enfim os aromas e sabores locais. Sem pensar, o moleque da terra sempre acha o seu caminho, por isto neles confiamos e colocamos em suas mãos a esperança de achar o peixe procurado.

A pesca é um jogo de gato e rato, onde o rato tem a vantagem de estar invisível. E o gato de ser o ser pensante. Dentro das necessidades normais de ser paciente e ter o tato em seus dedos de sentir o toque da presa, que se esgueira entorno da isca esperando saboreá-la sem ser capturada pelo traiçoeiro anzol. São minutos que podem se transformar em horas, pois, as piranhas estão em todos os lugares a delapidar sua isca, e Barata é o primeiro a pedir. Não fisgue, é piranha.

De repente você sente aquela pressão mais profunda. É hora de dar um pouco de linha. Deixar aquele que quer capturar sentir-se mais seguro. Um pressão um pouco maior de alguém que está se deleitando com o quitute oferecido. Hora de fisgar e recolher e inicia-se a luta entre o homem e o peixe. A figura do velho pescador de Hemingway me vem imediatamente a mente.



Peixe grande seu Renato, incentiva  Barata. Vai fundo que este é teu, completa o Ronaldo. É a sensação da primeira conquista, como a primeira namorada, o primeiro beijo, o novo emprego que se inicia. Você pisa em terreno desconhecido, mas tem a nítida noção que está no caminho certo. Finca os pés no fundo do barco, sente o caniço querer sair de suas mãos, fisga novamente e recolhe a linha. A vara se verga, luta para sair de suas mãos. Você sente um pouco de dor. Mas aquela dor gostosa. Você mantém, a serenidade, não se deixa levar pela ansiedade. Passa a ser um jogo de xadrez. Novamente fisga e recolhe. É o inicio de uma luta entre homem e peixe. Depois de segundos, retém a vara e não mais fisga, apenas recolhe. Sobe a vara e quando a desce recolhe, num movimento rítmico atraindo o peixe para seu barco. Você tem a sensação que a presa está em suas mãos. Mas a luta está em sua metade. Vencida em seu primeiro round. O dos pontos. Mas você necessita do Knock out.

Todos a sua volta torcem por você. O pobre do peixe não tem torcida ele apenas luta para morrer de forma digna, sem rendição. Resta trazê-lo para o barco e não deixar que a linha se rompa ou o caniço se vá. Fisga, recolhe.

A luta se intensifica. Cada segundo que você recolhe mais difícil se torna fazer o molinete trabalhar. E aí vem a sua mente, é Pacu que gosta de ir ao fundo do rio? É Pintado que tenta se livrar ziguezagueando de um lado a outro do barco. Dourado que pula? Araia que se planta no fundo? Ou o pobre do Cachará? Piranha não é, pois, a pressão não é forte. Recolhe, recolhe. A luta continua, mas suave a seu favor. E então a visão de sua presa aparece. A luta está ganha, resta trazê-lo para bordo sem machucá-lo ainda mais. Cansado ele dá adeus a seu mundo e ao barco se dá.



Foi meu primeiro pintado. 65 centímetros, 15 abaixo do permitido para se pescar se não for para ser comido. Minto, não o comerei, mas meus amigos sim e o retenho no barco, com jubilo em meu ser. Egoísmo de iniciante. Sina de predador que todo home o é.

À pobre criatura foi dado o veredicto da morte. De oponente passa a troféu e isto confesso que me incomoda. Êle estava lá em seu mundo e eu fui desafiá-lo para que terminasse no meu. Minha mente imediatamente absolve-se tomando consciência, que ele aceitou o desafio por que quis. Se não fosse eu, seria um outro, talvez mais experiente no dia seguinte. Ou quem sabe no ano que vem, quando tivesse o tamanho para ser pescado, sem direito a habeas corpus ou julgamento milimétrico.

Venci uma pequena rusga, na verdade por mim iniciada. Fui provocar a quem nunca mal me fez. Tive a vantagem do cérebro, meu inimigo o da invisibilidade. Foi uma boa luta. Outras terei. Não sei se as ganharei, mas depois de meu primeiro peixe, que depois descobri não ser pintado e sim um cachara, posso dizer a plenos pulmões: sou pescador.