quarta-feira, 10 de março de 2010

SERÁ QUE FOI VERDADE

    

VIVI, A PALEANTÓLOGA PREDADORA

Esta história é verídica. Poderia ser um conto mais não é. Se não foi bem assim, bem que poderia ser. Pois como diria o politico mineiro, o importante não são os fatos e sim sua melhor versão. Então vamos a ela.

Existem coisas que nunca devem ser ditas a uma mulher. Coisas que possam ferir sua honra ou humilhar sua condição feminina. principalmente para uma ruiva sardenta. Todavia, em se tratando de Vivi - a ruiva sardenta - o simples mencionar que um jacaré pudesse ser um anfíbio a tirava do sério. era como xingar sua própria mãe. Aquela observação escorrendo para dentro de seus ouvidos penosamente feriu seus tímpanos e evocou apenas por alguns segundos seu silêncio.
          - Kiko, onde já se viu jacaré ser um anfíbio?
          - E não é?
        O olhar estupefato de sua companheira dizia-lhe que não. Manteve-se calado pronto para receber a espinafração. Já tinha dado muita bandeira durante aquele final de noite para se dar ao luxo de vir com outra pisada na jaca.
        - Claro que não é. Que escola você freqüentou? O Mobral?
       Aquilo já era agressão. Aquela zinha pensava que era quem? Ele tinha terceiro ginasial.
       - Então o que a porra de um jacaré é, ô Vivi?
       Ela o olhou da maneira que um jacaré olharia para um sapo: com total indiferença e sincero asco. Sem vontade sequer de devorá-lo, naquele exato momento.
-       O jacaré é um réptil. Da ordem crocodylia, com i grega.
Ela não conseguia se libertar de suas origens hispanas. I grega, onde já se viu. Mas ele tinha que manter a calma. Pisara constantemente na jaca e sua performance na cama, minutos antes, não fora das melhores. Nada que pudesse impressionar Vivi em sua primeira relação sexual.
- Pensei que apenas as cobras eram répteis.
- Elas o são, mas da família dos ofídios, como a tartaruga o é dos quelônios e a largatixa dos certílios.
Caraca! A mulher era erudita mesmo...
- Largatixa não é inseto?
- Inseto! Inseto é mosca. Kiko, você é burro mesmo ou está fazendo tira com a milha cara?
Que coisa. Não conseguia acertar uma!
- Desculpe, se não sou versado em animais. Então anfíbio seria o que? Um hipopótamo?
Vivi deu um pulo da cama. Em segundos estava ainda nua, mas de pé. Sentiu o frio do mármore subir-lhe pelos pés. Imediatamente seus ossos cristalizaram-se como gelo. Mas ele não deu sinais do fato. Olhou para seu companheiro de forma que ele tomasse conhecimento que ignorância tinha limite.
 Aquele seu nariz arrebitado estava direcionado para o meio de sua testa e seus olhos penetravam em suas pupilas. Devia ter dito outra besteira. Mas o que aquela mulher queria? Que ele fosse um dicionário zoológico?
- Hipopótamo é um mamífero, sua besta quadrada! Assim como a baleia, a foca e o leão marinho.
Qualquer ser humano normal, com um mínimo de tirocínio pararia por ali. Mas Gustavo Mostes de Albuquerque não o era. Na verdade, fora das ondas do mar e longe de sua prancha, não parecia poder raciocinar de uma maneira normal. Talvez, fosse ele um anfíbio. Ficou com receio de perguntar...
- Vivi, o que é a porra de um anfíbio, então?
Colocando as suas calças e a procura de seus sapatos, Vivi, não tinha mais dúvidas que aquele moleque estava mesmo afim de fazer tira com a sua cara. Sua mãe sempre lhe dissera: “quem dorme com criança, amanhece mijado”. E ela dormira com um. Ou melhor fornicara com um e apagara a seguir. Mas ele merecia viver, educar-se e um dia talvez se transformar em um ser humano. Faria uma exceção. Pouparia sua vida.
- Acho que você está querendo fazer hora com a minha cara.
            - Absolutamente Vivi. Para mim todo aquele que respira dentro e fora da água era um anfíbio. Me diga então quem seria anfíbio?
            - Sapo.
            - Sapo?
            - Sim sapo. Porque tanta surpresa?
            - Por que achei que sapo era um réptil.
            - Jacaré um anfíbio e sapo um réptil. E tua mãe o que seria? Acho que você matou as aulas no Mobral. Daqui a pouco você vai perguntar porque tartaruga põe ovo. Logo, trata-se de uma ave. Você viu onde deixei os sapatos?
            - Provavelmente na entrada. Você quando saiu do carro, os tinha às mãos.
Pelo menos não era um desmemoriado. Mas onde estavam eles?
Sentiu que podia reverter a situação se desse uma de modesto. Afinal isto apelaria pelo sentido maternal que toda mulher tem dentro de si ... principalmente aquelas intelectuais com mais de 30 anos. Talvez quarenta...
            - Tinha a impressão que o sapo era um réptil, pois tem mais a ver com uma cobra do que com...
            - Você sabe quantas espécies de sapo existem hoje catalogadas pelo mundo?
            - Não tenho idéia. 20?
            - Eu diria que mais de 4,800.
            Aquilo era um número significativo. Tinha que provar não ser tão burro.
            - Uma coisa eu sei sobre sapos.
            - E o que seria? Que eles uivam?
            O respeito se fora, mas o tesão ainda não.
            - Eles igualmente põe ovos, mas seus ovos não têm casca. Em poucos dias saem os sapinhos que nem uma cobras...
           - Os sapinhos a que você se refere são os girinos, que respiram pelas brânquias. Você acha que eles se parecem com cobras, pois, têm rabo e ainda não pernas. Com o tempo eles perdem o rabo, adquirem pernas e pulmões. Respiram pelos mesmo e pela pele cutânea.
           Ela apenas com as calças, sem sua blusa, descalça, e dissertando sobre a metamorfose dos sapos lhe parecia mais excitante. Sentiu seu membro enriquecer.  Agora sim tinha certeza que depois daquelas quatro horas de sono, seu vigor seria o de sempre e sua performance bem superior a da madrugada. Mas Vivi não estava com cara de bons amigos. Tava mais para réptil do que para anfíbio.
           - Vivi, desculpe se disse tanta besteira. Sei que você é arqueóloga e entende de todas estas coisas... Vem, senta aqui – disse ele com voz doce a dar umas palmadinhas na cama, exatamente no lugar que ela havia acabado de abandonar.
Estava ainda quente e tinha seu perfume. Aquilo o deixou ainda mais desejoso.
            Ela parou e voltou a encarar, mas desta feita de um forma distinta. Quase maternal. Kiko era bonito, tinha um corpo perfeito, mas tinha um problema funcional em seu cérebro. Uma pena. Uma pena não, um desperdício. Vivi não era partidária do homem objeto. Aquele produto descartável que depois de usado devia ser jogado fora e esquecido para todo o sempre. Tinha 35 anos e estava a procura de alguém que lhe fizesse mais do que apenas amor, pois, com o tempo o tesão dá lugar a tensão e a inclusão deste n, leva tudo para as cucuias. Seus dois últimos relacionamentos assim a provavam.  Ambos jaziam sob a terra a sete palmos da superfície.
           - Primeiramente não sou arqueóloga, sou paleantóloga.
           - E haveria muita diferença?
Valeria a pena explicar a aquele anfíbio que uma paleantóloga, teoricamente estuda a pré-história, com seus distintos organismos e as evoluções e interações entre os mesmos durante a época de formação? Ao fixar suas vistas naquelas duas contas azuis, teve a nítida certeza que não.  Seria um dsperdicio de suas cordas vocais. Não adiantava tentar lhe explicar que não dissecava múmias ou determinava a idade de vasos. Ela estava estabilizada em um área, que tinha como base de seus estudos, da vida animal. Iniciando nos fósseis. Deles ela traçava um paralelo do desenvolvimentos dos peixes, das aves, dos mamíferos e conseqüentemente dos répteis e até dos anfíbios. Hoje tinha convicção que eles faziam mais nexo que surfistas. Ainda mais ela não podia mais fazer o que fizera com seus dois últimos parceiros. Kako era burro, mas não merecia. Era pouco mais que um menino.
- Tenho que ir. Você vai me levar ou pego um taxi?
Ele tirou o lençol que o cobria, deixando o membro ereto a vista. Os olhos de Vivi foram diretos a ele. O membro, não ao dono do mesmo.
Kako notou e aproveitou para se espreguiçar colocando seu corpo numa posição que sabia que qualquer mulher não iria resistir. Principalmente uma paleantóloga que pouco sabia da vida, a não ser a diferença de um sapo para uma lagartixa.
Vivi achou que estava mudando de idéia, mas não queria dar o seu braço a torcer. Perdera a noite, mas poderia ainda salvar o dia. Talvez tivesse sido mesmo a bebida a razão do fraco desempenho de ambos na madrugada anterior.
- Você tem certeza que quer ir?
- Você teria uma razão para me fazer ficar?
Ele nada disse, apenas olhou para seu membro e de volta para Vivi, sorriu. Aquele sorriso mortal, que fizera sua mãe nunca lhe dar uma sova e até freira perder o caminho da igreja.
Venha aqui minha psicóloga.
Se o destino assim o queria, ele o teria. Realmente não merecia viver.

HORAS DEPOIS
- Desde quando a senhora conhecia a vitima?
- Ontem a tarde no Garota de Ipanema.
- Nunca o vira antes?
- Nunca.
O delegado a olhou com certa ternura. Talvez pelo fato de ter uma filha bem parecida com ela. Um pouco mais nova, mas com a mesma formação craniana, os mesmos cabelos cacheados e aquele mesmo olhar honesto e suplicante.
- Em algum momento a vitima tentou usar de violência com a senhora?
- Em momento algum. Pareceu-me uma pessoa incapaz disto.
- E vocês mantiveram relações sexuais de uma forma normal?
- Não sei qual a normalidade a que o senhor se refere, mas creio que dentro dos padrões considerados normais.
- Então porque então a senhora cometeu este crime?
- Porque sou uma paleantóloga.
Que raios aquela profissão tinha que ter com o fato de asfixiar ao companheiro de cama? Ele olhou para o subordinado, o Ananias que datilografava todo o depoimento da acusada. Ananias sorriu e meneou negativamente sua cabeça. O detetive Mendonça, conteve o sorriso, pois, talvez o Ananias não soubesse sequer o que pudesse ser uma paleantóloga. Ele mesmo fora obrigado a recorrer a um dicionário antes de iniciar aquela acareação.
- Dona Vivian. Que raios tem a ver sua profissão com o ato que a senhora cometeu contra o senhor Carlos Gustavo?
- Já lhe disse sou uma paleontóloga.
- Ok, eu sou advogado e policial. E daí? Isto não me dá o direito de matar as pessoas com quem durmo.
Ela olhou para Ananias e o delegado Mendonça sentiu que algo deveria ser dito sem a presença do mesmo.
- Ananias. Vamos dar um break. Volte em dez minutos e traga para mim e para a senhora, dois cafés.
Ananias de tanto obedecer, já estava fora da sala, antes mesmo do delegado terminar com sua frase.
- Ok, dona Vivian. O que a senhora quer me dizer em off?
- Delegado. Somos todos uns solitários. Basicamente uns escorpiões.
- Escorpiões?
- Sim escorpiões. Aracnídeos. O senhor como advogado, já deve ter conhecimento da existência dos mesmos.
O que aquela senhora estava tentando dizer? Que os advogados eram escorpiões? Já fora insultado como um tubarão. Nunca um escorpião.
- Ok, mas o que estes tais de aracnídeos têm a ver com o fato da senhora ter matado o senhor Carlos Eduardo na cama de um motel na Barra da Tijuca?
Ela olhou para ele e sorriu. Um sorriso debochado, cheio de malicia e negatividade. O de alguém que a cada minuto de desnudava na ânsia de demonstrar a sua real face.
- E daí que os escorpiões como os seres humanos são os mais misantrópicos dos animais. Só se aproximam de seus semelhantes para procriar e destruir-se.
Imediatamente Mendonça desarquivou de sua mente a imagem do filme da National Geografic, a respeito dos escorpiões, onde as fêmeas, assassinavam a aqueles com quem acabavam de ter o ato sexual. Será que aquela maluca estava se sentindo um escorpião?
- Por favor, dona Vivian. O que a senhora está tentando sugerir?
Sem alterar um músculo sequer em suas feições ela disse em voz baixa:
- Chegue mais perto, pois, o que eu quero confessar, nem as paredes devem ouvir.
O delegado Mendonça se aproximou e baixou sua cabeça direcionando seu ouvido direito o mais perto possível dos lábios de Vivian. Lábios, que em outras ocasiões ele se deliciaria em beijar.
- Disse uma vez e o senhor parece que não quer acreditar. Os escorpiões só se aproximam de seus semelhantes para procriar ou destruir-se.
E antes que o delegado pudesse entender o que ela dizia e muito menos o que estava acontecendo, sentiu uma picada em seu pescoço. Olhou e viu o anel da senhora Vivian afastar-se do mesmo. Uma dor aguda se seguiu. Ele levou a mão à área dolorida e descobriu que seu dedo estava empapado em sangue. Olhou de volta para a senhora Vivian incrédulo, mas notou que ela sorria. O que estava acontecendo? Em segundos sua visão ficou esgazeada, seus sentidos trôpegos e os joelhos não puderam arcar com o peso de seu corpo. Cambaleou e foi ao chão. Chegou a ele já sem sentidos. Em segundos parou de respirar.
No mesmo momento em que caía, Ananias voltava com dois copinhos de plásticos cheios de café. Viu seu superior estabacar-se no solo e olhou para a mulher.
- O que houve com o Doutor?
- Acho que teve um mal súbito. Você não colocou açúcar no meu, não é o Ananias?