sábado, 27 de março de 2010

DIARIO DO PANTANAL - 2 - A FELICIDADE DE UM MUNDO PRÓPRIO




MATE COM LEITE

Você já experimentou mate batido com leite, gelo e bem pouquinho açúcar? Eu nunca até então, pois é, eu experimentei e amei. Coisas de Campo Grande, assim como o mate verde geladinho de Corumbá: o mate Chimarrão Libra. E eu que pensava que chimarrão era coisa só de gaúcho.

Sei que São Paulo tem, mas Rio de Janeiro não tem não. Hallandale, nem pensar!

Esta tipicidade local, são coisas que o afastam da monotonia de seus dia a dia. E não há coisa melhor numa viagem com fins recreativos do que você por 7 dias abolir tudo aquilo que o escraviza em sua faina diária.

Pois saibam, existem muitas coisas que a gente não conhece, mesmo achando que está num estágio que sabe tudo. Eu por exemplo achava que tinha uma boa idéia do Brasil. Tenho, não vou negar. Viajei por quase todos os estados brasileiros e conheci muito de cada lugar. Mas depois de conhecer o pantanal, cheguei a conclusão, que conhecia apenas uma parte, e que esta região de nossa nação, tem também seus aromas e sabores. Peculiares, porém que impressionam até um cara urbano como eu, que achava que peixe nascia na peixaria. E eram ali criados desde que eram pequenininhos.

Estar ilhado em um barco, subindo o Rio Paraguai, mesmo que este barco tenha todas as amenidades que a gente com idade exige, mas sem internet e ligação celular, me pareceu nas primeiras horas, um filme de terror sem precedentes. Daqueles que a gente morre de tendo seu sangue sugado, bem devagarinho lá no final da película, pelos caninos do Drácula.

Acordar no primeiro dia e ver o nascer do sol no pantanal só têm uma definição: nada igual. Ele nasce embaçado, tímido, bem pequenininho como não quisesse interferir ante o gigantismo da natureza a quem vem acalentar.

Digo e repito, pois, repetitivo sou. Sou um cara urbano, que não acampa, não anda em trilha, que adora um chuveiro quente e uma cama macia. E, acima de tudo,  dotado de uma inexequibilidade perante um mosquito ou uma onça pintada. Não tenho cacoete de Indiana Jones. Isto é flagrante. E meu 18 companheiros de viagem, descobriram isto em minutos. Impossível que fosse o contrário. Assim, contra todos os meus princípios, fui obrigado a pescar. Mas esta é outra história.

Sempre tive em mente que a mais valiosa natureza é a morta, por isto ela esta sempre acima das mais imponentes lareiras do planeta. Mas a viva, que eu pouco conheci e estou vivendo aqui, é bárbara e impossível de descrevê-la. Mas descrever o indescritível sempre foi o meu forte, pois trabalho com cavalos de corrida, logo vou tentar de alguma maneira, fazê-lo.

A medida que você sobe o rio e se afasta da civilização, tanto a água quanto a vegetação, regeneram-se. Ou melhor mostram o viço, que com a desculpa de um pseudo desenvolvimento, o homem a fez perder. Tudo se torna cristalino, mais verde, natureza viva, que mexe com sua carne, pois, nada aqui, parece imputrecido”. Tudo tem aquela cara que a gente gostou de ver em Avatar.

James Cameron deve ter passado pelo pantanal, para ter a inspiração de montar um mundo como o de Avatar. Nós brasileiros o temos aqui, bem pertinho, e nos recusamos a visitá-lo e conhecê-lo. A bem da verdade é mais barato se ir a Miami do que penetrar neste mundo que é o pantanal. E não seria uma ironia afirmar que o mall de Bal Harbour é substancialmente melhor que o mercado boliviano de Puerto Aguirre e sua casa China. Mas isto são outros quinhentos...

O dia cresce, esquenta mas não o afugenta. Ao contrário o atrai, o escraviza no deck da embarcação a vislumbrar uma paisagem constante, mas que se refaz a cada minuto. A medida que as coisas cristalizam-se à sua frente, você tem a nítida noção que aquele é um outro mundo. E quando depara com uma mãe e uma filha, ribeirinhas, sentadas a beira do rio a limpar o seu pintado, completamente alheias a humanidade que desfila à sua frente em um grande barco, você assimila sua inexequibilidade. Uma verdadeira porrada na testa! Aquela mulher e aquela criança dentro de seu mundo, podem ser mais felizes do que eu e você. Pois, elas são donas de seu próprio mundo.

Um mundo que dominam, já que conseguem em seu dia a dia o sustento de seu dia. Seres humanos que compreendem as mudanças de um céu anil para um plúmbeo, que aqui acontece em questão de segundos, pelo simples soprar do vento. Não precisam de uma menina bonita e com treinamento de voz, para lhe dizer a temperatura do dia seguinte, ou se você deve levar de casa consigo, um guarda chuvas para o seu trabalho. Seres humanos que não se pasmam com a natureza como eu, por fazerem parte dela. Que aceitaram alhear-se de uma civilização que as tratam em estado de ausência, enfrentando as adversidades de uma vida a sós. E que não se sentem seres viventes em extinção. Pois, não são matéria física, perecível, apenas mutável e integradas a ambiência.

Seus limites não são placas ou advertências, são árvores, rios e pedras. Pontos da natureza que determinam sua posição na infinitude de seu entorno. Que as presentificam. Que as ornam.

Talvez não tenham uma televisão para saber a que contas andam as crises financeiras mundiais. E se tivessem, que diferença isto faria a elas? Possuem o seu próprio mundo e a ele dominam. São as administradoras de sua própria existência. 

Adorei fotografá-las, embora por um segundo senti que aquelas duas mulheres pudessem pensar tratarem-se apenas de algo interessante em uma natureza, e não se sentissem bem de serem tratadas como paisagem. Não responderam ao aceno de quem a meu lado estava. Compreensível.  Quantos barcos por aqui passaram? Quantos de seus passageiros não sentiram o momento e o eternizaram em uma foto? Não tenho idéia. Não são muitos que olham e vêem. E isto a mim não importa. Eu, vi, senti e fotografei. E para mim isto é que importa. Isto e o mate batido com leite, gelo e um pouquinho de açúcar.