AS MINHAS SANDÁLIAS HAWAIANAS.
Bom dia amigos, aqui estou eu de malas e bagagens, pulando de avião em avião, e voando sob as asas da TAM. Aeronave vazia, que não é normal, a ser servido por aquilo que oferecem abordo.
Todos sabem que comida de avião, é plástico com um pouquinho de sal, mas ninguém recusa o agrado. Os que dormem, como eu, logo que o trem de pouso abandona a pista, são gentilmente acordados pela aeromoça, que com aquele sorriso padrão de modelo de pasta de dente, perguntam o que deseja tomar. A sua frente com a mesa por ela gentilmente baixada, está o embrulhinho, uma verdadeira caixa de surpresas: um sanduíche de queijo com presunto? Um omelete derretido? Umas torradas com queijo Polenguinho? Não importa, o que vier, por incrível que pareça, você automaticamente traça, pois, faz parte de sua viagem, como o celular previamente desligado, de forma obrigatória sob o olhar reprovativo de uma menina, que tem a idade de sua neta. Não tenho neta, mas se tivessem poderiam estar beirando aquela idade. Talvez com um pouco de exagero...
Na verdade sem exagero, porque a TAM, parece buscar suas aeromoças, em um berçário. Ou diretamente vindas frescas da fazenda. E aqui no Brasil o carrinho do lanchinho passa duas vezes. Você tem direito a repetir, principalmente em vôos vazios.
Você só nota isto, quando mora como eu nos Estados Unidos e viaja por companhias como a Jet Blue e a Southwest, as chamadas companhias amendoins, porque na verdade são as únicas coisas que distribuem em seus vôos e quase sempre sem direito a repetição.
Confesso que até os snacks norte-americanos – aqueles que você nunca seleciona em um supermercado - eu traço. Mas apenas quando estou sozinho, pois, minha esposa, a Cristina, os barra, pelo excesso de sódio e sal, quando presente.
Viajar em trechos curtos, lhe obriga a ler ou a escrever. Pelo menos isto é o que acontece comigo. Em Porto Alegre pouco antes de embarcar, tomei conhecimento de um comentário da amiga do facebook Gorete, em que ela comenta sobre uma foto que publiquei de uma menina ribeirinha, cuja expressão me cativou. No comentário a Gorete afirma que a sintonia que aquelas pessoas tem para com a natureza, que descrevi em minha cronica, o Ribeirinho, está no fato da vida quase que inteira do pé no chão. Imediatamente saquei que era aquilo que faltava na minha dissertação.
O pé no chão. O contato entre a superfície, fria ou quente da terra batida com aquele ponto que é a única parte de seu corpo em contato quase que em tempo total com a natureza: a palma de seus pés.
Felizes aqueles que na infância puderam brincar descalços aproveitando sua infância, mergulhando nos rios, subindo nas árvores, jogando amarelinha ou mesmo bola ou bulica, com o nariz colado ao chão. Não tive este ensejo. O asfalto do Rio de Janeiro era muito quente, e as areias de Ipanema, mais ainda. Cresci provido de sandálias havaianas. Acho até que trouxe as primeiras do ventre de minha mãe. Elas me separavam dos dejetos caninos e dos cacos de vidro de garrafas de cerveja. Tive-as de todas as cores. Diferenciando ano a ano apenas no tamanho.
Poucos, eram os ribeirinhos que notei estarem usando qualquer tipo de sapato. Os poucos que não estavam descalços, usavam alpargatas (para ser bem paulista, pois, meu destino hoje, é Sampa). Sapatos, deviam estar reservados e limpos para Sábado e Domingo. Na missa e no arrasta pé ao som de uma sanfona.
Sou um admirador da natureza, não um participante dela. Na verdade eu toco o mundo com a ponta de meus dedos e minhas centelhas de imaginação. Nunca fui tocado por ela, pois as havaianas obstruíram esta interação. As havaianas e minha mãe, que sempre me preveniu que o chão era sujo, e sujeira tinha que ser mantida fora de casa. Todavia trazia nossos cachorros para casa, o que aumentava a chance de poluição ambiental de nosso lar, já que eram quatro patas ao invés de duas. Não importa.
Nunca tive um corpo livre, daqueles que vislumbrei as margens do Rio Paraguai, povoados de imaginação, conectados direto com a terra batida e a lama da margem Corpos abertos a todas possibilidades, desassociados de medo ou receio de uma furtiva formiga, ou de um espinho solto de uma planta. Corpos sem comprometimento com o futuro, pois, vivem e sentem o presente, pois facilmente esquecem o passado. Corpos que sonham como nós, mas possuem personagens menos dramáticos. O cão amigo, a árvore protetora, o sol que sempre dá as caras, os raios que o emudecem, o cheiro do peixe frito pescado pela manhã, a fragrância do manjericão plantado, a visão dos turistas idiotas que, a toda semana os fotografam de suas grandes embarcações. Enfim, sonhos que o fazem esquecer, por horas as agruras do dia a dia.
Mas sonhos sem morgages para pagar, prestações a se saldar, crianças a se preocupar, preocupações de problemas que só você mesmo tem a capacidade de criar. Coisas, que a dita civilidade, o vicia a viver.
A sintonia que faltava do pé do chão com a natureza, levantada pela Gorete, e faltante em minha crônica de ontem, agora aqui esta explicada e exposta.
Se sou um urbano, e nunca me senti tocado pela natureza, a culpa evidentemente que é de minhas sandálias hawaianas. Elas podaram a minha conexão com o real, o factível. Hoje sou um escravo dos sapatos. Sem eles me sinto nu.