NO MEU TEMPO...
Pois é, isto soa como frase de gente antiga e saudosista, que sempre achou que na sua época se era mais feliz. Estou para fazer 60, logo, sou gente antiga e entendo porque os mais velhos que eu, assim pensavam.
Você é normalmente mais feliz aos 35 que aos 70. Para os de minha geração, 35 era a idade da afirmação. O cara já tinha o que queria e sabia onde iria chegar. Passava a ser homem de verdade, dono de seu destino. Hoje, com a modernidade aos 25 você já tem esta sensação, e existe muito guri de 20 que já está “milhardário”, por ter tido uma grande idéia. Tempos distintos. Logo um bride aos velhos tempos! Onde podíamos pegar um ônibus, andar despreocupadamente pelo calçadão de Ipanema e até dormir de janela aberta.
Acredito que o grande ano de minha vida foi 1985. Foi ali que a semente de mudar definitivamente para os Estados Unidos implantou-se de forma definitiva em minha cabeça. Me mudei em 1987. Era arquiteto, trabalhava junto a uma empresa de consultoria que vendia seus serviços para o metro e tinha um grande sonho, viver exclusivamente daquilo que amava: minha mulher, meus cavalos de corrida e minha vontade de escrever.
Mas 1985 foi um ano conturbado. Foi o ano em que a AIDS passou a ser o inimigo número um da humanidade. Lembro que estava em Porto Alegre e tomei conhecimnto que numa praia do estado, que não me recordo o nome, marcou-se o Primeiro Congresso Internacional Gay. Imagine longo onde: em terra de hemofóbicos machos gaúchos. Foi um Deus nos acuda. A igreja, sempre equilibrada em seus pronunciamentos, reclamou por intermédio de seu cardeal arcebispo, tratar-se da peste gay. A Aids, segundo a igreja parecia atacar apenas aos homossexuais, esquecendo-se que os viciados em drogas injetáveis e os hemofílicos foram dizimadas, numa época em que fazer uma transfusão de sangue em um pais onde não havia – não sei se há hoje – o mínimo controle básico era uma roleta russa. E o uso de uma seringa não esterilizada, um convite para a morte. Nosso sistema hospitalar da época era regido por um comercio absurdo. Se hoje, as pessoas morrem nas filas sem serem atendidas e a coisa não funciona, imaginem em 1985...
Me lembro que isto foi em Maio. Os testes de Aids estavam engatinhando e os kits norte-americanos estavam sendo anunciados como possíveis de acesso a partir de Junho ou Julho.
O prefeito da citada praia conseguiu embarcar o congresso e ele acabou sendo transferido para outra, Tramandai, se não me engano em Setembro.
O absurdo e a arbitrariedade imperavam em nosso pais no ano de 1985. Muitos de vocês que lêem, não eram sequer nascidos. E um número ainda maior não tinha ainda o discernimento do que realmente estava acontecendo. Vivíamos literalmente o momento do quem sabe. Eu não quis saber e me mandei, pois como diria minha amantíssima vó Adelina: “os incomodados é que se mudem”.
Hoje penso de forma distinta. Acho que devemos mudar aqueles que nos incomodam.
Porque tudo isto me veio a cabeça exatamente hoje? Porque ontem, em um aeroporto da vida, tomei conhecimento via internet, que comemorava-se o centenário do politico Tancredo Neves, um mineiro mais politico que a própria politica. Incapaz de bater de frente com quem quer que seja. Sempre tinha uma solução que solvesse o impasse.
Naquela época o colégio eleitoral acabara de eleger Tancredo Neves por via indireta e semi-democrática e a reação da juventude da época não foi louvar o novo presidente e sim cantar em coro durante a abertura do Rock in Rio um refrão: “Eu, eu eu, o maluf se fodeu!”
Tancredo não era o candidato que a juventude ansiava, e anos depois provou isto elegendo Fernando Collor de Melo. Mas esta juventude não era também, a juventude que Tancredo almejava. Logo, a coisa começou torta desde o seu inicio. E piorou, pois Tancredo morreu antes de tomar posse, e Sarney assumiu. Foi ai que eu resolvi adotar o lema de minha vó Adelina.
Voltei ao Brasil para votar em Collor. Menino sabido, criado em Ipanema, julgava saber de tudo. Mifu! Eu e o Brasil Nosfu!
Mas voltando a 1985. Tínhamos ainda censura, mais branda outrossim atuante. E antes de terminar o ano o Brasil assumiria a segunda colocação nas estatísticas mundiais da AIDS. Vejam os números: 520 casos, 246 mortes e 80% deles concentrados no eixo Rio/São Paulo. Comparados aos números de hoje, não representavam absolutamente nada. Mas era apena o inicio.
Pessoas ainda morrem pela AIDS, o atual governo quer voltar ao sistema de censura ao jornalismo, só que de maneira democrática, o que por mim só já se constitui num grande absurdo. Nosso sistema hospitalar continua impublicável. O saneamento básico mantêm-se inexistente. A educação estagnou e o pior de tudo continuamos votando nas opões erradas. Todavia, como antigo posso dizer:
“No meu tempo a segurança era bem, mais bem maior mesmo, pois nunca na história deste pais...”