quarta-feira, 9 de junho de 2010



A AUSÊNCIA DE SURPRESA E A INDIFERENÇA AO ESCÂNDALO
Acredito que já disse uma vez. Mas creio nunca ser tarde para se repetir. O Brasil é um país complicado. 
E quando se toma o destino de escrever para um público brasileiro, aí é que a coisa complica mais. Porque? Porque o simples ato de escrever é desnudar-se e saltar sem para-quedas em um escuro. Você não tem idéia de quem lê e muito menos como as pessoas interpretarão sua forma de ver as coisas e exprimi-las em palavras. E somando-se a isto o brasileiro embora leia pouca, duvida muito e critica demais... 
Escrevi ontem, sobre a passividade como o povo brasileiro agiu - e não reagiu - as três mudanças maiores de nossa história: a independência, a proclamação da republica e a revolução militar de 1964. E houve gente que discordou. Aí eu pergunto, em que outro pais três eventos como estes não geraram quando de sua consecução, uma única morte sequer no dia do ato?
Meu avô Lindolpho era oficial da Marinha. Não o conheci, pois, quando nasci ele já havia morrido. Não bebia, não fumava, se exercitava e morreu cedo. Uma incongruência. Mas voltando aos trilhos, ele lia e guardava o que lia, uma hábito que adquiri e da mesma forma que vó Adelina estrilava, Cristina minha mulher o faz também. Contudo, quando meu avô morreu, minha vó não jogou nada, que dele fora. Seus livros, suas revistas, seus recortes de jornais, como ameaçara fazer durante toda a sua vida. Quando ele a tinha. 

Sabedora de minha fobia pela leitura, um dia ela me levou onde estava um baú, que continha muita coisa de meu avô. E eu comecei a ler e descobrir que ele tinha a mesma mania que eu tinha: a de grifar aqui que mais lhe chamava à atenção. Isto me facilitou bastante chegar aos pontos que queria chegar, pois, era como que alguém estivesse selecionando o que de melhor havia no texto.
Numa velha Revista Ilustrada ainda do tempo da monarquia, li este trecho por ele grifado: “... É este um documento honrosíssimo  para o povo brasileiro e a prova mais evidente de que sabemos esperar que as revoluções estejam maduras para colhermos sem esforço e sem lutas. No dia em que a monarquia foi deposta, em que império deixou de existir e em que a república sorriu aos patriotas, a rua do Ouvidor não se banhou de sangue, não se cobriu de barricadas, não se envolveu no fumo das batalhas! A paz, a ordem e o júbilo reinavam de tal modo que ninguém deixou de ir dar seu passeio habitual, nem as damas, a quem as revoluções apavoram, como avezinhas intimas à detonação da arma de um caçador, deixaram de comparecer ao rendez-vous da elegância e do amor, encantando os revolucionários com eflúvios de seus olhares e a graça de seus sorrisos arrebatadores...” 
O fato, daquele que escreveu esta nota, ter usado com exemplo a rua do Ouvidor, se baseia no fato, de ser esta rua - no tempo do império - o centro nevrálgico da cidade. Pelo o que li, era lá que tudo acontecia, tudo se discutia e tudo se planejava. E ainda na seqüência deste texto havia ainda esta menção: “...em vez de conflitos, conversações animadas; em vez de sangue, abraços; em vez de ameaças, olhares de inteligência; em vez de guerra civil... Namoros...”
Não é fantástico este texto? 
O império teve seu charme. Como tudo neste Brasil, foi do esplendor a finitude, como em um suspiro. O mesmo havia acontecido décadas antes quando nos “desvencilhamos” de Don João, e assumimos seu filho Don Pedro, como nosso imperador. Um independência de pai para filho, bem a nossa moda. E não foi diferente quando as tropas descidas de Minas Gerais, não encontraram resistência por parte de regimento algum em 1964 - exatamente no dia dos bobos - e João Goulart, como Don Pedro II, teve que sair de fininho para manterem  intactos seus escalpos.
Como diria Nelson Rodrigues, o brasileiro se incorpora a qualquer grupo maior do que cinco. Basta uma pessoa estar parada na esquina olhando para a parte mais alta de um edifício, para que imediatamente um grupo de pessoas igualmente pare e transfira sua atenção para o ponto em que o primeiro se mantém focado. Numa batida, todos param para ver, mas são muito poucos aqueles que se preocupam em ajudar. E qualquer um que suba em um caixote, seja para pregar sobre a salvação da humanidade ou simplesmente vender uma caneta tinteiro, sempre haverão aqueles que estarão à sua volta completamente absortos, ao que o dito cujo tem a proferir ou vender. Brasileiro gosta de festa, detesta problema e foge de funeral. Principalmente os cariocas como eu.
Não mostramos nem união pelo temor ao terror, mas em datas festivas como o Carnaval e a Copa do Mundo, somos de uma unidade inenarrável. mais seguros e intransponíveis que o ex-muro de Berlim.
De um lado é bom. De outro não, pois, as almas menos nobres se aproveitam desta nossa passividade, a confundem como covardia e passam a agir com os seus piores sentimentos e seus mais mórbidos e secretos recalques, para transformar o Brasil, não na terra em que vivemos, mas sim no território que eles governam, se aproveitam, espoliam e nos deixam a ver navios. 

E nos fazem a ter dois sentimentos ainda piores: o da total ausência da supressa e o da plena indiferença para com o escândalo seguinte.