terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

SEM AJUDA DO SOBRENATURAL DE ALMEIDA


O UMBIGO DO RENATO

Passei grande parte de minha juventude lendo crônicas. Confesso que sempre fui fascinado pelas mesmas. E entre elas, as esportivas me causavam maior comoção. Não as perdia por nada. Pois, todas, sem exceção, eram banhadas em paixão. Em um mesmo vespertino você lia a crônica de dois jornalistas sobre o mesmo jogo e descobria que ambos tinham assistido a partidas distintas. O que para um era límpido como água cristalina, para o outro era turvado como a água do pântano.

Perdoem-me, mas nunca conheci um cronista esportivo que não fosse parcial e que não puxasse para o seu clube. Talvez o Saldanha fosse o menos, e com certeza Nelson Rodrigues foi o mais.

Confesso que não dá para se tratar de futebol de uma forma equilibrada e imparcial, pois, nós brasileiros, nascemos, crescemos e vivemos a febre futebolística. Principalmente os que como eu, nascemos depois da Copa de 1950. Qual a razão? Talvez, por ser uma das coisas que melhor fazemos e com certeza pela qual somos mais reconhecidos, internacionalmente.

Freqüentei muito o Maracanã e acompanhei o Flamengo nos mais estranhos estádios que vocês possam imaginar em meu tempo de juventude. Todavia, nas cadeiras especiais do maior do mundo (pelo menos um dia o foi) o que me cativava era ver o Nelson Rodrigues em dia de Fla-Flu. Muitas vezes o peguei com os olhos perdidos em um lugar fora do campo, como ele estivesse em outra dimensão. Apenas seu corpo estava ali presente. Olhos rutilos, lábios trêmulos. Expressão indecifrável. Talvez fossem nestes momentos que ele recebia a visita do Sobrenatural de Almeida. Aquele espírito que explicava em seus mínimos detalhes, as razões das derrotas tricolores. Se bem que para o Nelson, o seu Fluminsense nunca perdia. Quando muito, deixava de ganhar, pois para este grande cronista, a vitória sempre foi uma mera fatalidade.

Ah meu caro Nelson, como eu gostaria de ler a sua coluna esta segunda feira. Gostaria de vê-lo escrever sobre o grande privilégio dos vitoriosos – o direito a humildade. Pois, o Flamengo o exerceu, na plenitude de seus poderes. Depois de humilhado nos primeiros 45 minutos, deu o troco, nos 45 minutos seguintes, sem olé, sem deboche. Foi humilde em toda a sua acachapante supremacia. E isto deixou os tricolores em campo, que mesmo em maior numero, não entendiam o que acontecia. O Flamengo não fazia hora. Onde estava o olé que eles merecidamente poderiam aplicar? Porque tanto respeito se tão desrespeitados foram na primeira parte do jogo? Porque calçar as sandálias da humildade se haviam sido pisados por sapatos altos de uma meninada alegre e descompromissada?

Usando suas palavras Nelson, afiançaria que da primeira chupeta ao último suspiro, quando qualquer sujeito, seja o sheikh de Agadir ou o catador de guimba na Praça Mauá, perde as ilusões, só tem diante de si três caminhos: o suicídio, a loucura ou o crime.

Temi que aqueles 11 meninos tricolores partissem para o suicídio ou num ato de insanidade, iniciassem nus a dança de uma Polka.

E Nelson estava certo. Não se mata uma ilusão ou enforca-se uma esperança. Tem que se acreditar. E foi assim que os 11 elementos rubro negros que voltaram para o segundo tempo neste que foi o maior Fla-Flu de todos os tempos.

Segundo o próprio Nelson, o homem vive mais de enganos do que propriamente de verdades, e Cuca, o técnico tricolor encabeça qualquer lista que seja feita sobre este assunto. Não mudou nada em sua equipe. Ela estava perfeita. Seus meninos haviam colocado os experientes jogadores do Flamengo na roda. Transformaram-nos em polichinelos no picadeiro da vida. Porque mudar?

Andrade, do outro lado, sabia que como a coisa estava indo uma goleada seria inevitável. E não há nada pior que uma goleada. Nem um tabefe que estala em seu rosto marca mais a sua vida. E uma goleada em um FLA-FLU fica para sempre, pois, é a pior das goleadas.

As mudanças de Andrade funcionaram e em 8 minutos tudo voltava a estar igual no Maracanã. Menos o número de jogadores, pois, o arbitro expulsou um dos rubro negros. Cuca trocou um beque por atacante, afinal em seu pobre parecer, até uma criança de dois anos poderia marcar ao imperador naquele inicio de noite. Porque cutucar a fera com a vara curta? Absolutismo do juízo final? Provavelmente.

Creio que apenas o Sobrenatural de Almeida poderia explicar o que aconteceu este Domingo no Maracanã. Mas infelizmente com apenas o Nelson ele se comunicava.

Vocês devem estar pensando. Este cara nunca escreveu sobre Futebol em quase 200 crônicas. E agora escreve duas seguidas. Verdade. Mas porque o assunto assim o exige. Acho que escreverei pelo resto de meus dias sobre o que aconteceu no Maracanã no dia 31 de Janeiro de 2010. Isto me fez apagar aquela barrigada do Renato Gaucho, a da final de 1995, há dois minutos do término da contenda. Fluminense 3x2 Flamengo. Fluminense campeão. Perdemos um campeonato por causa de um umbigo, certamente ali transformado em goleador, pela parcial e nefasta  interferência do Sobrenatural de Almeida.