lindo por fora
MEU CARO ESTANISLAU,
VOCÊ NÃO SABIA QUE DESDE CABRAL
TODO MUNDO ROUBA
TODO MUNDO ROUBA
Mas existem brasileiros diferentes. E o Estanislau é um deles.
O conheço desde os tempos da faculdade. Era um cara com cérebro de engenheiro cursando arquitetura, e não é por coincidência que hoje dirige um carro em Miami. Descobri semana passada, quando esperava por um cliente no aeroporto de Fort Lauderdale. Nos esbarramos, nos reconhecemos, nos abraçamos e a partir dai, por quase 20 minutos, relembramos nossas experiências de décadas atrás. Nos despedimos e sempre haverá uma grande chance de nunca mais nos vermos. Triste, não? Mas realístico. Destinos que a vida afasta, sem uma explicação do porque.
Mas o bem preparado Estanislau não dirige um táxi hoje por uma possível incapacidade intelectual. Ele chegou a ter um emprego de muita importância. Mas um emprego de confiança e isto requeria um jogo de cintura com o qual Deus não lhe aproveu.
Ele tinha dois defeitos fundamentais, que hoje está ciente, mas que descobriu tarde. Primeiro que gostava tanto de seu emprego, que inclusive trabalhava e não faltava a ele. E segundo que sempre teve a mania pouco brasileira de cumprir aquilo que prometia. E estes dois fatores não combinam tanto em género quanto em número, numa cidade com o perfil de Brasília, principalmente quando este emprego é na assessoria de um congressista.
Emprego de confiança é aquele que você faz de forma incontinente o que o seu chefe pede e fecha imediatamente o olho para com o que o seu chefe faz. Esta é a lei de sobrevivência profissional em nossa capital. Mais ainda no Congresso. E o honesto Estanislau, falhou em estas duas simples atribuições. Qual um beija flor a frente de um menino com uma atiradeira.
Outrossim o incontinente era algo que não compartilhava de seu dicionário. Para tudo o Estanislau exigia uma razão e quando chegava a conclusão do que faltava ou não devia ser feito, o levava a seu chefe, o deputado ... bem deixemos de lado seu verdadeiro nome. O chamemos de Luiz. Um nome que cola em Brasília.
Pouco a pouco, o deputado Luiz foi vendo que o Estanislau não era de confiança, pois, primeiro raciocinava – uma tarefa não pedida – e segundo que tinha um pleno discernimento entre o que era certo e o que errado. E o pior ainda, excedia-se em diferenciar o honesto para o desonesto. E como vocês sabem, isto são coisas ínfimas em governos populistas e regados pelo cinismo politico. O que interessa na verdade, é o que dá grana e voto. O resto é balela.
Mas a gota d’agua transbordou do copo quando em uma inauguração de uma obra defendida pelo venerável congressista e na qual ele havia levado um agrado substancial para privilegiar a certa construtora, da qual por baixo do pano, era um acionista silencioso, a mulher do deputado Luiz compareceu sem ser esperada. Evidentemente que o deputado Luiz havia viajado por conta do governo e como tal tinha levado a secretária, que como o Bom Brill, era de múltiplas utilidades. Gente de cama, cozinha e máquina de escrever. Quando reconheceu a chegada da patroa, imediatamente o deputado Luiz jogou sua amázia para o lado do Estanislau, naquela conhecida manobra: toma que o filho é teu até que a patroa desapareça.
Antes de abandonar a cena do crime, Dona... vamos a chamar de Heloísa, chegou no Estanislau e perguntou que presunto era aquele e este respondeu, secretária particular de seu marido. Dona Heloísa, a depositária da grana da família, entendeu que de esposa passara a condição de provedora e fechou a torneira. E o Estanislau, hoje dirige um taxi. Pois, a partir deste caso se tornar público nas coxias do Planalto ninguém mais em Brasília lhe quis dar um emprego. Afinal ele não servia para um trabalho de confiança. Ele era honesto demais.
Confesso que passou por mim uma torrente de alegria por ter revisto o Estanislau, mas ao mesmo tempo um torpor de tristeza, de saber que aquilo que a gente lê nos jornais e ouve dos amigos é realmente verdade sem o menor resquício de exageros. O Estanislau é a prova viva do que acabo de escrever. Ser honesto no congresso de Brasilia equivale a um atestado de óbito profissional.
Uma vez o grande poeta Paulo Mendes Campos escreveu este Parágrafo: “Quem sentisse um súbito desejo de sorvete, uma tentação de chope, um alvoroço de empadinha quente, uma arrepio de moça bonita, um abismo de mulher casada, uma nostalgia de livro francês, ia para lá”. E ele se referia a rua Bahia em Belo Horizonte.
Eu diria: “Quem sentisse um súbito desejo de pagar por uma sentença favorável, uma tentação de mensalão, um alvoroço de valerioduto jorrando grana em seu bolso, uma arrepio de bois virtuais, um abismo montado em cuecas e meias, uma nostalgia de um habeas corpus preventivo, ia para lá”. Eu me refiro a Brasília.
O Estanislau agora sabe disto.