sábado, 27 de fevereiro de 2010

UM PAPO COM FERNANDO SABINO



COM A AVÓ ATRÁS DO TOCO

Acordei neste sábado, pensando em Fernando Sabino, que dizia que existiam aqueles que saltavam da cama lépido e serelepe como um passarinho. Outros já acordavam com a avó atrás do toco. Na verdade não sei o que é acordar com a avó atrás do toco, mas acho que foi assim que acordei hoje. Uma sensação estranha de não querer acordar. De me manter prostrado para todo o sempre no leito, olhando para o teto e esperando que algo de bom se pronunciasse. Talvez este fato devesse, a eu ter acompanhado do inicio ao fim o jornal do fim de noite na Globo. É como comer angú e ir direto para cama. Só tem noticia ruim e escândalo novo.

Saudades de Fernando Sabino... Fui afortunado de poder conversar em várias oportunidades com o ele, na Praça General Osório, uma praça no inicio de Ipanema, muito perto da casa de meus pais, no Rio de Janeiro. Mas nunca lhe perguntei o que ele queria dizer com o acordar com a avó atrás do toco. Sei que deve ser coisa de gente antiga e mineira. Mas como aprendi com ele próprio que ser mineiro é não tocar no assunto, em momento algum tive a coragem de lhe fazer a pergunta.

Fernando Sabino foi um homem muito viajado e que sempre esteve cercado das pessoas certas nas horas certas. Amigo dos amigos nas horas incertas, ele soube tirar de sua existência um container de sabedoria que nunca teve receio de dividir com quem quer que seja. Inclusive eu, um estranho em sua vida. Um curioso que o escutava. Em seus últimos dias, tinha ainda muito a dizer, mais pouca gente a ouvir. Um problema bem brasileiro de falta de interesse, tempo e porque não dizer paciência para com as pessoas de mais idade. Eu sempre que podia, a caminho da praia passava pelo banco em que ele normalmente sentava na Praça para curtir o sol. Conversávamos até ele sentir que era hora de voltar para seu apartamento. Em várias oportunidades me senti como o tamanduá do Henfil. Sugando tudo que o Fernando tinha a dizer e a ensinar

Um dia falávamos de violência numa época que achávamos que esta violência tinha chegado a um limite inadmissível. Hoje vejo que era apenas o começo. Muita água rolou e muito sangue foi despejado. O sábio Sabino, não sabia da história o prólogo. Hoje estaria vexado com o que acontece.

Ele me confessou que muitas vezes se sentiu tentado a aceitar o fato que a violência não era apenas um fenômeno social, reflexo da miséria de nosso pais. Para ele era inerente à própria raça humana, cuja crueldade aflora em nós quando ainda crianças. Confesso que nunca esqueci destas suas palavras e a maneira como ele me olhou. Sentia realmente aquilo que falava. Não dizia coisas, por dizer.

Para ele mesmo em toda brincadeira considerada inocente, a perversidade, a coação, a violência, a inexistência de caridade eram instancias normais. E as crianças a exerciam com um prazer quase perverso. Como o de atingir um passarinho com um pedra, colocar fogo no rabo do gato, gelo nos chinelos da avó, ovo pintado de preto no assento do cinema, chiclete nos bancos das praças, dar um tostão no menino menor, xingar a mãe alheia. Senti que entreguei-me com a expressão que me veio ao rosto, pois, algumas destas eu igualmente havia aprontado. Ele sorriu e completou: Todos nós um dia o fizemos, não se sinta culpado. Pelo menos nos regeneramos”

Pois é, mas muitos não se regeneram.

Segundo Ernest Heminguay, “toda relação pessoal entre escritor e leitor nasce de um equívoco ou gera um equívoco”. Concordo em tese, mas não percentualmente. Explico-me. Não é toda, mas quase toda.

Assim sendo não gostaria que este meu texto fosse visto de uma forma equivocada. Para mim criança nascem sem o senso do certo e do errado. O tempo, o espaço em volta de si e principalmente a família é que acaba por delimitar as fronteiras do que é supostamente certo e errado. Logo a miséria e o descaso governamental para com um mínimo de saneamento básico, educação, saúde e segurança contribuem para que aquela criança que ainda não distingue o certo do errado, tenda a pular para fora das fronteiras, pois, é a forma mais fácil de se conseguir aquilo que se quer no menor espaço de tempo. Nem que para tal fique entalado em uma chaminé de uma padaria.

Está obrigatório em cada um de nós, praticar um pequeno ato de caridade diário para com aqueles que não tiveram a mesma sorte nossa. Mas cabe ao governo, como grande pai de uma nação, tratar seus filhos de uma forma condigna. Pensar primeiro em seus filhos do que nos filhos do outro para garantir uma cadeira melhor no plenário da ONU. Não separando vagas nas faculdades aos menos capazes apenas por questão de cor ou condição financeira. E sim, aparelhando nosso pais de boa saúde custeada pelo governo, educação, condições de higiene e acima de tudo segurança, pois onde houver segurança, haverá ordem. E onde houver ordem haverá progresso.

Eu juro que já li estas duas palavras - ordem e progresso - em algum lugar. Só não me lembro onde...