terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A ARTE DE INOVAR

e

UM SEGREDO DESVENDADO

Existem certas verdades na vida. Outrossim, a mais forte delas é aquela que afiança que a única coisa que você não abandona na vida é seu clube de futebol. Se você tem o azar, ou quem sabe a ventura, de gostar do America, do Bangu, do Madureira, do São Cristovão, ou do Olaria morre America, Bangu, Madureira, São Cristovão e Olaria. Você muda de cidade, de profissão e até de mulher, mas nunca de clube de futebol. Com escolas de samba a coisa é diferente.

Eu por exemplo quando garoto torcia pela Estação primeira da Mangueira, embora o verde e rosa, cromaticamente nunca tenha me agradado. Minha irmã, a Sônia, era Salgueiro roxo. Logo, o Salgueiro que saíra da Mangueira. Ai, no ano de 1960, eu aos meus 10 anos vi minha irmã  que tinha 16, vibrar com a primeira conquista de sua escola de samba de preferência, com um enredo chamado Quilombo dos Palmares.

Segundo no ano anterior, a escola do morro de Salgueiro emplacava seu primeiro carnaval com apenas 7 anos de vida. Ai vieram aqueles primeiros anos de ouro de uma escola que não tinha a grandiosidade da Mangueira, da Portela e muito menos do Império Serrano, as até então consideradas grandes. Em 1963, o segundo campeonado com Xica da Silva, a segunda colocação em 1964 com Chico Rei e novo campeonato em 1965 com a História do Carnaval carioca. Moral da história: virei casaca.

Aos 19 anos desfilei pela primeira vez na Avenida. Foi no Salgueiro e vibrando com a Bahia de todos os Deuses trazida no gogó pela Elza Soares. Naquele tempo não havia ainda o sambodromo. era na Avenida mesmo.

Bahia, os meus olhos estão brilhando,
meu coração palpitando
De tanta felicidade...

Zum, zum, zum,
Zum, zum, zum,
Capoeira mata um.

Foi aí que o Salgueiro entrou definitivamente na minha veia.

Tive o privilégio de viver os anos dourados de Joãozinho Trinta e desfilei campeoníssimo e faceiro da vida, em 1971 na festa para um Rei Negro, aquele do

Ô-iê, Ô-ia-ia
Pega no ganzê
Pega no ganzá

Em 1974 com o Rei de França na Ilha da Assombração e no ano seguinte com o Segredo das Minas do rei Salomão. O Salgueiro, provou que não era melhor que ninguém, apenas diferente.

Ai o Joãozinho Trinta se mandou, a Beija Flor nasceu, colou e o meu Salgueiro amargurou anos de pouco sucesso. Participei de todos. Vi por duas vezes a escola atravessar e em mais de uma vez deixar buracos na Avenida. Até que em 1993, Pegamos um Ita no Norte e arrebentamos.

Oi, no balanço das ondas, eu vou
No mar eu jogo a saudade, amor.
O tempo trás esperança e ansiedade
Vou navegando em busca de felicidade

Novo tempo de espera e achei que deveríamos ter ganho em 2008, depois de um longo e tenebroso inverno com o enredo, O Rio de Janeiro continua sendo. Mas ai o Tambor nos trouxe de volta ao lugar de onde não deveríamos nunca ter saído. O carnaval de 2009 foi sublime. Senti as arquibancadas da Sapucaí nos ovacionar com o grito de é campeão. Quando adentrei na avenida o setor 1 já gritava é campeão. Vocês não imaginam o incentivo que isto dá.

Tem batuque, tem magia, tem axé!
O poder que contagia quem tem fé!
Na ginga do corpo, emana alegria.
Desperta toda energia



O mesmo grito que ontem premiou a Unidos da Tijuca, a terceira escola a desfilar. Que me desculpem os salgueiristas como eu, mas o Paulo Barros, como o Joãozinho Trinta nos anos 70, elevou este ano as escolas de samba a um outro nível. Não teve medo de inovar e arriscar. E mesmo sendo difícil se levar um carnaval desfilando no Domingo e tendo a Mangueira como a última de segunda, acho difícil de se tirar este titulo da escola da Tijuca. Sua cena de abertura foi antológica. Seus super heróis com homens aranha subindo pelas rampas e Batmans voando elas abaixo, o incêndio da biblioteca da Babilônia e o carro do faisão, simplesmente deixaram a todos os que assistiram, basbaqueados.

Paulo Barros saiu daquela acomodação de muito luxo, impetrada desde os tempos de Joãozinho Trinta que sempre acreditou que pobre gosta de luxo. Pelo menos em um dia em sua vida. 


O Salgueiro e o Beija Flor estavam impecáveis. Mas as inovações de Paulo Barros pegaram na veia e a bola foi no ângulo. Sem defesa para o goleiro. Sua escola fez o setor 1 enlouquecer, e quando você consegue fazer este setor gritar é campeão, podem crer, a carreira já está decidida, mesmo antes de sua definição.

Que a Mangueira, a Portela, Grande Rio e a minha segunda escola a Mocidade que abre o desfile nesta segunda, venham grandes como sempre. Não importa. Sei também que um quesito pode tirar o titulo de qualquer escola. E os juizes estão atentos a cada detalhe. Mas pela experiência que tenho de mais de 30 de desfiles, acho que a luta é pela segunda colocação, pois, a arte de inovar que um dia premiou Joãozinho Trinta, ontem de madrugada fez o mesmo, desta feita com Paulo Barros. Pena que ele não esteja no Salgueiro...