sábado, 19 de março de 2011

EVOLUÇÃO OU REVOLUÇÃO

EVOLUÇÃO OU REVOLUÇÃO ?

Existem dogmas. Alguém institui uma pretensa verdade do nada, a coisa vai passando de geração em geração e quando menos se espera vira uma espécie de dogma. Oficializa-se como verdadeiro e nada mais se discute. Aceita-se. De estória, vira história, como diria minha avó Adelina.

Um dos maiores dogmas existentes na face deste planeta versa sobre a arte dos franceses em comer. Le grande cuisine de France .  Embora eu ache o excesso de manteiga e a frugalidade excessiva, dois pontos negativos, não há dúvidas que a cozinha francesa e a arte do francês comer é algo que deve ser respeitado. Mas daí a achar que foram eles, que nos primórdios de nossa civilização, impetraram este estilo, se vai uma grande distância. Sim, não estou exagerando. Os franceses comiam com a mão e muito mal até que Catherina de Medicis (1519-1589) pintou no pedaço, vinda da Itália.

Catherina tinha 14 anos era órfã e em 1533 atravessou a fronteira para esposar a Henry de Orleans, o filho de King Francis I. Mas ele não é, e acredito que nunca será, o pivô desta questão.

Catherina desembarcou em Marseilles com garfos, sapatos altos, e chefs de cozinha, coisas que os franceses não tinham até então conhecimento. Bisneta de Lorenzo o magnífico, Catherina perdeu seus pais Lorenzo II de Médici – Duke de Urbino – e Madeleine de la Tour d’Auvergne, quando ainda contava com apenas três meses de idade. Com seis meses foi levada a Roma para ter sua educação supervisionada diretamente pelo papa Leão X, que era seu tio afastado, ou coisa parecida. Gente fina sempre é outra coisa...

Há de se convir que Catherina tinha um excelente pedigree, já que seu pai foi a inspiração de Machiavelli escrever o Príncipe – para muitos sua obra mais consistente – e foi também Lorenzo II um dos dois príncipes Medicis “esculturados” por Michelangelo na capela de São Lorenzo, em Florença. Sua mãe Madeleine, não fazia por menos, era uma princesa da casa de Bourbon. Mas aos seis anos a sofrida criança sofreu seu segundo trauma, ao ter que voltar a Florença, ante a invasão dos exércitos de Charles V. Aos quatorze anos ela era vista como uma das jovens mais cuturalmente preparadas da época, embora fisicamente pudesse deixar muito a desejar, segundo descrições locais.

Henry que não tinha muita predileção pelas letras e preferia dividir sua cama com a famosa Diane de Poitiers, foi obrigado a casar com a para ele escolhida, em Outubro de 1533, numa cerimônia presidida em Marselha pelo próprio papa Clement VII, que assumira a responsabilidade pelo futuro de Catherina, após a morte de Leão X.

A Italian Woman, como era conhecida, foi sempre tratada como uma intrusa por seu marido e a corte que o cercava e quando se mostrou inepta a produzir um filho, aí mesmo é que foi jogada literalmente para escanteio (*). Não tendo o que fazer ela popularizou o sorvete na França, fez com que os súditos de sua majestade aprendessem a ter um mínimo de paladar e bom gosto, a se sentar a uma mesa, a abandonarem o uso ostensivo dos dedos em suas comidas e desta forma foi estabilizada a hoje idolatrada cozinha francesa. Sim a verdadeira cozinha francesa, é na verdade italiana.

Hoje os aspargos e os brócolis são obrigatório no menu francês, mas até a chegada de Catherine, os gauleses, não tinham sequer idéia de sua existência. Pesquisei e descobri que o primeiro livro escrito sobre culinária data de 1498 e foi escrito por um tal de Bartolomeo Platini. O nome da obra? De Honesta voluptate et valetudine. Insinuante, vocês não acham. Porém, a coisa é ainda mais antiga. Na antiga Roma, Apicius exortou algumas receitas exóticas. Que segundo ele faziam “as línguas terem sensações nunca antes testadas...”

Evidentemente que a importância de Catherina não ficou apenas no lado gastronômico da questão. Ela ajudou na idealização e feitura de um dos mais belos jardins que já tive o ensejo de visitar, o das Tuileries, um bracinho do Louvre. Ela importou seu conterrâneo Baltazarini di Belgioioso, que muitos podem não dar conta de quem se trata. Pois é, ele é Balthazar de Beaujoyeulx que produziu o Ballet Comique de la Reine, se não me engado no ano de 1851. Na verdade o primeiro corpo de balé que se tem conhecimento como montado na face da terra.

Enfim Catherine inspirou uma evolução, que hoje para muitos é considerada uma revolução. Ela é a mãe da Grande Cuisine de France.


(*) a partir dos 25 anos ela gerou a 9 filhos, sendo 3 deles reis e uma rainha de dois países.