O VIOLONCELO
O que lhe chateia muito é estar já dentro do avião, ciente que sua pequena mala foi obrigada a ir na seção de bagagens da aeronave e o cara que senta a seu lado trás consigo um violoncelo. Sim violoncelo, aquele violino que não parou de crescer.
Dois pesos e duas medidas. Evidente que sim. Para qualquer observador dava para sacar que havia uma grande diferença tanto em peso como em medida entre minha mala e o violoncelo daquele rapaz que parecia ter saído das páginas do livro o pequeno príncipe.
Evidentemente que a merda do violoncelo não deu em lugar algum. Podia ser valioso, raro, porém não cabia em lugar algum. A minha mala que cabia, estava lá embaixo. O instrumento monstruosamente grande, não. Estava aqui à minha frente. Mas as plásticas e robóticas aeromoças conseguiram o colocar atrás da última poltrona do avião. A do assento, 40 - aquele em frente da porta do banheiro do aerobus – a que não reclina. A minha. E lá fomos nós. Eu, o pequeno príncipe e o violoncelo. Menos minha pequena mala de mão...
Estamos a 36,000 pés, rota com tempo tranqüilo, apenas alguma alterações. Chegada prevista para as 21.20 horas de São Paulo, onde o tempo deverá estar bom, sem chuva e com uma temperatura de 30 graus. Agradeço a preferência de todos e espero que tenhamos uma boa viagem. Era o nosso bom Falcão com aquela sua voz de Alberto Roberto.
No vôo diurno, você dificilmente consegue dormir, pois maioria das pessoas mantém suas persianas abertas, para ver as nuvens. Principalmente aqueles que vivem nela. Não sei qual é a vantagem de ficar vendo as nuvens, mas como existe gosto para tudo mantive-me na minha lembrando-me que quando era morador no Rio de Janeiro e lá trabalha, achava uma graça tremenda estar no engarrafamento vendo o Cooper das menininhas na Avenida Atlântica.
Outrossim, o que irrita não é propriamente aquela o tom de voz de autêntica impostura do Falcão. O que irrita é a cínica mentira. Como alguém pode prever o que pode vir a acontecer milhares de milhas a frente? Com que exatidão? Pois é, em duas horas tudo trimilicou. Turburlencias. Apertem o cinto e rezem para todos os deuses. Dois minutos de êxtase e agonia.
Por isto prefiro vôos de companhias internacionais. Lá tem japoneses, mulculmanos, indianos e toda e qualquer espécie de seres humanos. Na hora da reza você passa a ter apoios de Allah, Buddah, Shiva, Jesus Cristo ou que o valha.
Oito horas são oito horas. Na terra ou no ar. Dentro de um avião, parecem 16 horas. O tempo custa muito a passar e o banheiro por sua vez é o lugar mais visitado. Ele e consequentemente você que está sentado à sua porta. E tem sempre aquele curiosa que lhe pergunta se o violoncelo é seu. Fico imaginando quando teremos aqueles aviões que fazem as rotas de Dubai e Oriente com Wi-fi e com tomadas para que seu computador possa funcionar o tempo toda da viagem.
E a business, e a primeira classe... paraísos em relação a economy. Tão perto e tão longe de você. Uma cortininha os separa. E aquele pedaço de pano faz toda uma diferença. Na primeira classe a viagem é mesmo de 8 horas. Na classe executiva talvez 10, aqui atrás umas 16. O problema é que na poltrona 40h com um violoncelo às suas costas, são com certeza mais de 20.
Ai chega a hora da alimentação. Está certo que ninguém viaja de avião pela comida. Ela não é a razão precípua de você estar ali. Você quer ir de A para B e no ínterim algo é servido. Algo que está incluído no preço da passagem. Mas que a comida é ruim, isto é. Todavia no noturno você na verdade não nota muito, pois, normalmente já vem jantado e muitas das vezes nem come, simplesmente dorme. Mas no diurno a coisa é diferente. Ainda mais, que você tem primeiro o café da manha, e no fim da viagem quando a fome bate, tem o jantar. Ou quilo que se tenta parecer com o mesmo. Não é bolinho não. Com a fome é muita, engole o que tiver pela frente.
E chega-se ao êxtase da primeira parte do avião. A saída do mesmo. Vocês já notaram que a primeira parada, longe ainda do terminal, todos se levantam antes mesmo do piloto ativar o aviso de libertar-se do cinto? Isto é típico do brasileiro. Da mesma forma que querem ser os primeiros a entrar, adoram ser os primeiros a sair. As sacoleiras do Sawgrass tentam passar por cima dos outros. Com ou não, violoncelos as mãos lutam por seu espaço. Um Deus nos acuda.
E quando saem o que encontram? As autoridades de imigração.