quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

IPANEMA DE SEU INICIO A SEU FIM

O aroma e os sabores da juventude são eternos, pois, foram erigidos em uma época de descobertas e consolidações pessoais. Os meus anos dourados foram os da década de 70, na verdade na década posterior, aos dos Rio de Janeiro, onde sua ebulição cultural, sua mudança de status e o nascimento da grande Ipanema, consolidaram esta cidade como maravilhosa. 

Não havia este fenômeno viciante chamado Internet. Tudo era conhecido pelos jornais, e o papo de praia e botequins, pois, o Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, não vivia de clubes. Vivia de quatro pontos fundamentais: o carnaval, o futebol, a praia e o botequim. Tudo palpável. Nada virtual. Tudo com aromas e sabores. Tudo entranhando-se em sua pele.

Como carioca sempre foi aquele que sabia viver o Rio, não necessáriamente aquele que nele nasceu, cada um exercia a sua preferência. Seu time de futebol, sua escola de samba, seu bar preferido e seu ponto na praia. A noite todos os gatos se tornavam pardos, haviam as discotecas, os cabarets e muita cultura sendo despejada a frente de seus olhos. Outrossim, em meu ponto de vista, na realidade o Rio de Janeiro era uma cidade para ser vivida durante o dia. Pelo menos naqueles tempos.

Ipanema tinha seu charme de menina moça, pois todos nós temos aquele sonho difícil de se realizar de estar na cidade grande mas viver como em uma pequena vila, e naquela época era este bairro e o vizinho Leblon, os únicos a lhe poder proporcionar um resquício desta sensação. Tinham os aromas e os sabores de uma Georgetown, de uma Chelsea, de um Soho e com a vantagem de ter muito mais mulher bonita e ser bem mais divertido.

Ipanema entrou no mapa do noticiário carioca no meio dos anos 30. Para se ter uma idéia, foi lá que Luiz Carlos Prestes - o Cavalheiro da Esperança - se refugiou, quando Vargas saiu a sua caça. Imaginem, vocês que ele se escondia em Ipanema. Hoje, ao contrário, e lá que você deve estar se quer aparecer.

Foi nos anos 60, que me tornei Flamengo e Salgueiro, que escolhi o Arpoador como meu ponto de encontro e como ainda não frequentava os bares da vida, tinha na sorveteria Moraes e no Bob's minha eterna fascinação. Os anos 70, me fizeram descobrir a noite, a Montenegro (hoje Vinicius de Moraes), o Veloso. E o mais importante de tudo: ter a plena consciência que nos sábados e nos domingos, Ipanema se encontrava no Leblon, mais especificamente na rua Bartolomeu Mitre, em um restaurante chamado Antonio's e terminava sua noite em Copacabana, entre o Jirau e o Le Bateuax.

Assisti muito o Sergio Mendes tocando de graça no beco da fome, à espera da primeira barca que o levaria de volta a sua Niteroi. Esbarrei em muitas oportunidades como Norma Benguel no Jirau e com Duda Cavalcanti no Arpoador. Cansei de me sentar na mesa ao lado do Vinicius e do Tom, no Veloso. Não deixava passar a oportunidade de ser um dos primeiros a ter em minhas mãos o Pasquim, que era vizinho ao edifício onde morava com meus pais. Aliás isto era uma situação pitoresca, esta, de minha moradia. Nasci em uma casa de saúde de Botafogo, embora fosse morador de Copacabana. Muito pequeno foi transferido para um ponto basicamente neutro, já que o edifício de meus país na rua Saint Roman, esquina com a rua Antonio Parreiras era o ponto divisório entre Copacabana e Ipanema. Meu quarto ficava em Ipanema. O de minha irmã em Copacabana. A frente a casa do senador Juracy Magalhães que depois da morte do mesmo foi transformada em colégio, exatamente no inicio da ladeira da Saint-Roman que levava ao morro do Pavão-Pavãozinho. Comunidade, naquela época, ainda não dominada pelo Comando Vermelho.

Meus valores foram mudando assim como o nome das coisas que me cercavam. Minha rua foi rebatizada para Piragibe Frota do Aguiar. Perdeu todo o seu charme de cunho francês. Meu ponto de praia deixou de se chamar Montenegro e passou a ser  conhecido como a Vinicius. Houve uma demanda das grandes mulheres e com elas se foram igualmente os homens, inicialmente para frente do Country - o chamado posto 10 - e depois para a Barra, na praia do Pepe, e ai Angra, Buzios... O Veloso assumiu a alcunha de Garota de Ipanema e perdeu toda a sua freguesia.  Passou a ser bar de turista. O Antonio's, o Jirau e até a sorveteria Moraes desapareceram do mapa. Terminaram-se as referências. Foram com eles os meus aromas e os  meus sabores...

Outros se transformaram. Se sofisticaram. Mas não vingaram. O Zepellin, por exemplo, que a um tempo era verde, com cadeiras de palhinha e que como maior atrativo tinha o de estar a frente do edifício onde morava o João Gilberto, passou as mãos do Ricardo Amaral, sofisticou-se, perdeu sua personalidade e passou a ser ponto de encontro da cinematografia nacional. O Castelinho se rendeu a fúria imobiliária. Com a morte do Hugo Bidet, o Jangadeiros perdeu muita parte de sua graça. O bumbo do Rui Carvalho não foi mais ouvido e o bar civilizou-se. Dava até para conversar. Perdeu assim todo o seu encanto. Toda a sua graça. 

A banda de Ipanema continuou, mas o que menos passou a ter foi os moradores de Ipanema em seu seio. Seu inicio glorioso nas cercanias da revolução militar foram perdendo pouco a pouco sua caracteristica marcante. A de agradar sem chamar a atençao, como aquele menina nova no pedaço, petala ainda em flôr. O morro do Pavão Pavãozinho cresceram, multiplicando assim o indice de criminalidade. Com o tempo, perderam-se o Rubem Braga e seus pomares suspensos, o Vinicius, o Tom, o Fernando Sabino, o Paulo Mendes Campos, o João Saldanha, o Roniquito,  o Tarso, a Leila, o Carlinhos de Oliveira, o Francis. Como não eram artigos de fácil reposição, Ipanema murchou, qual uma orfã daqueles que a criaram e a fizeram mulher. Desejada, amada, idolatrada.

Fecharam o Arpoador. Acabaram com minha contemplação do por do sol, na garupa de minha mota. Com a corrida de submarinos. Só ficou como paisagem eterna, o arquipélago das Cagarras e o morro dos dois irmãos. Tudo se foi, para o bem do desenvolvimento. Do progresso. Mas que progresso é este baseado em apagar seu passado, suas memórias, seus aromas e seus sabores? Qual o prazer de trazer um filho e um neto a um determinado lugar e dizer, foi aqui que papai conheceu sua mãe. Foi aqui que eu dei o meu primeiro beijo. Foi aqui que eu estava quando o John Kennedy foi assassinado ou o homem pisou na lua. Aquela mesa era a do Carlinhos de Oliveira.  Foi exatamente aqui que eu estava sentado, quando o Tarso de Castro entrou abraçado com a Candice Berger. Foi naquela pedra que vovê descobriu o sexo. Foi nesta pista que vi o Jorge Ben dar um show de dança. Até o Jorge Ben mudou de nome...


Pasmem, o Maracanã é outro. Irreconhecivel, ordenado, limpinho... Acabaram com os grandes bailes: o do Municipal, do Copacabana Palace, a feijoada do Amaral. O Forte Copacabana virou museu. Gradearam a Praça Nossa senhora da Paz. Só não acabaram com a mortande de peixes na Lagoa. Um aroma que se perpetua.


Para onde foi o charme da piscina do Copa? Cadê o Galetto ao Primo Canto?


Das lembranças, apenas uma nunca muda. As das águas de Março que se mudaram para Janeiro, mas que continuam matando muita gente neste meu Rio de Janeiro.