sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

UM CARA DE MUITA SORTE

Você acredita na sorte? Não? Pois eu sim! Afinal tomo-me como exemplo, pois, posso me intitular um cara de sorte. Por que? Explico-me.

Inicialmente pelo simples fato de ter nascido, crescido e me formado como gente na zona sul do Rio de Janeiro, que acreditem ou não, nas décadas de 60 e 70 foi um paraíso. Mesmo durante os 21 anos da revolução militar. Era então uma cidade linda de morrer, habitado por gente que valia a pena e que além de sede da cultura, acima de tudo me fez aprender que uma geração não se forma pela idade e sim pela afinidade.

O governo militar e sua ditadura uniu gerações. Talvez tenha sido esta sua única dádiva. Velhos e moços se uniam nas ruas e nos teatros do Rio de Janeiro, em passeatas e em encontros. Nos anos 80, aqueles que nunca haviam conhecido a liberdade se uniam aos que já estavam a ponto de se esquecer da mesma, numa mistura de idades, credos e distintas camadas sociais. Mas tudo começou por volta de 1975, quando a ditadura completava sua primeira década.

Nunca fui um elemento político. Hoje me alegro que nunca o tenha sido. Desde cedo tomei conhecimento que no Brasil a política é a vã tentativa de reconciliar o inconciliável. Pois a classe de políticos que temos hoje, já vem de longe... A diferença era que naquela época eram mais comedidos. Ou como diria minha vó Adelina, se viva estivesse, tinham vergonha na cara.

A ditadura militar não apenas desfez famílias, delapidando-as. Era deformou nosso quadro de políticos e criou um outro fenômeno chamado a guerra urbana. Em 1980 a zona da baixada Fluminsense foi considerada pela ONU, como a mais violenta do mundo. Empilhavam-se cadáveres e a ação dos grupos de extermínio acirrou ainda mais o estado desta guerra urbana, que hoje vivemos, e o pior, convivemos. E elas, tanto a ditadura como a guerra urbana, provaram mais uma vez, que eu era realmente um homem de sorte.

Imaginem que até casar morei na subida do morro do Pavãozinho e depois de casado passei a habitar às margens da Rocinha, num bairro chamado São Conrado até o ano de 1987. E pasmem, nunca fui assaltado? Estudei durante os anos Medici-Geisel em uma faculdade de arquitetura e nunca fui preso ou mesmo "desaparecido". E tudo isto em uma época que as pesquisas populares garantiam que 36% da população rotulada como A, já havia, pelo menos uma vez em sua vida, sido assaltada e que a cada minuto desaparecia um estudante nas faculdades brasileiras, sendo os maiores índices percentuais nas de jornalismo e arquitetura. Sou ou não sou um cara de sorte?

E olha que dei umas arriscadas. Estive presente na passeata dos 100,000 e fiquei no raio visual de Helio Pellegrino quando ele - sobre um carro - proferiu aquele discurso que inflamou a multidão presente, formada de todas as idades e camadas sociais. Compareci a alguns daqueles encontros"culturais" promovidos no Teatro Casa Grande, onde duas coisas em desuso - palavras e ideias - voltaram a evidência pela boca de alguns palestrantes. Foi lá que tomei conhecimento de um professor cassado da USP, chamado Fernando Henrique Cardoso, que dizia o que deveria ser ouvido e o fazia da forma como todos gostariam de ouvir. Igualmente lá, pela primeira vez, ouvi as primeiras asneiras de um metalúrgico do ABC paulista, feito líder sindical, que massacrando a língua mater em seu dialeto próprio, soltou aquela que seria uma de suas primeiras pérolas:  "estudante só tem idealismo por quatro anos, depois passa a explorar a classe trabalhadora" - e terminava seu emaranhado de asneiras afirmando - "intelectual no Brasil, podia ser comunista e aspirar ao poder, mas operário jamais"! E não é que foram estes mesmos enxovalhados intelectuais e estudantes que décadas depois o colocaram no poder? Desde aquele tempo que o ex-presidente Lula, demonstrou não ser dos mais versados em predições.

Mas era o discurso que usava na época para angariar atenção. Como todo bom camaleão, hoje prefere usar os terninhos do Armani e angariar para seus filhos passaportes italianos e diplomáticos brasileiros... Macunaíma não o poderia fazer melhor.

Me lembro que quase ao final do ano de 1965, um tal de Gordo, em um helicóptero, resgatou no presídio de Ilha Grande seu comparsa em crime, o Escadinha. Xarás em nomes próprios e crimes, ele deram a primeira prova que o crime estava se organizando, enquanto nós nos preocupávamos pelas diretas já, pela anístia aos presos politicos e os militares em coibir a formação de uma geração com uma nova mentalidade política e de descobrir uma forma honrosa de pedir para ir ao banheiro e sair de cena.

Mas a sorte nunca me abandonou. Vim para um novo pais, onde os ônibus não são incendiados, os helicópteros não são abatidos, onde não é preciso se conclamar o exército para se subir os morros  para pacificar populações urbanas, onde político corrupto é preso, investidor ladrão tem confiscada toda a sua fortuna numa questão de semanas, que juiz não vende sentença, que é proibido se construir casas sobre lixões e encostas que possam erodir e onde a chuva apenas molha, não mata aos milhares.

E somando a tudo isto, hoje vivo num lugar que até parece um pouco com o meu antigo Rio de Janeiro. Aquele, dos anos 60 e 70. Estou casado com a mesma mulher a 33 anos, trabalho naquilo que amo e o Flamengo dispensou a dupla Love e contratou o Ronaldinho Gaúcho. Pensando bem não sou um cara de sorte. Sou um cara de muita sorte!