domingo, 30 de agosto de 2009

A ARTE DE NÃO LER E MUITO MENOS ESCREVER



A ARTE DE NÃO LER E MUITO MENOS ESCREVER

Não me levou muito tempo para figurar aquilo que eu era, 
o que poderia ser e como chegaria a transformar meus sonhos em realidade. 
Não porque eu fosse dotado de um talento especial, 
mas pelo simples fato de ter pleno conhecimento de minhas limitações.

Senti de cara que não seria um músico famoso, nem sequer um esportista consagrado. Minha professora de piano deixou isto bastante claro como também minhas incursões no futebol, ténis voleibol e Jiu-Jitsu objetivaram que eu poderia sobreviver, mas nunca luzir. O pavor da constatação de uma gota de sangue por sua vez inviabilizava a medicina e uma carreira policial. A  falta de sociabilidade o comércio, a eterna vergonha na cara, de ser politico, a falta de tato de ser um RP, a  incompatibilidade pelo calculo, de ser um engenheiro, o compromisso com a verdade de ser advogado, a total inabilidade manual de me transformar num pintor, escultor, desenhista ou mesmo massagista. E assim por diante.

Desfolhando a margarida, poucas opções me sobraram, entre elas o jornalismo e a arquitetura. Meu pai não gostou. Para ele, homem que cresceu no trabalho, jornalismo era sinonimo de pobreza e arquitetura coisa de veado. Decoração de interiores nem pensar. Era coisa de veado desvairado!

Mas quando se é jovem, a primeira coisa que o incita na vida é discordar de seus pai. Ele era Vasco, logo fui torcer pelo Flamengo. Assim sendo entrei na Universidade Santa Úrsula de Arquitetura, exatamente na época que o simples fato de ser estudante já o fazia um inimigo potencial aos olhos do presidente Medici. Estranho nome este. De um despotismo acerbado durante toda a história da humanidade...

Sobrevivi a revolução, pois minha apatia para com a politica serviu de antídoto à insanidade reinante. Mas a vontade de ler e escrever nunca se afastaram de minha forma de ser. Compartilharam minha existência até aqui e creio que seguirão meu destino até os dias finais do mesmo. Que espero que não estejam tão próximos.

Li de tudo. De Iben a Jorge Amado. De Balzac a Nelson Rodrigues. De Rimbauld a Rubem Fonseca. E o resultado? Tudo que um ser humano dotado de um QI acima de símio, possa realmente imaginar. Impressionei-me, escandalizei-me, emocionei-me, exasperei-me, apaixonei-me, diverti-me, discordei, concordei, abandonei, me tornei escravo, chorei, ri e o mais importante de tudo, aprendi a respeitar a opinião e a maneira de ser de todo e qualquer ser humano.

Ai, ouro dia em uma palestra, foi-me perguntado qual foi o livro de autor brasileiro que mais havia me cativado. Perguntazinha capciosa. Seria como tentar quantificar qual a dor que mais o afligiu, ou o beijo que mais lhe trouxe prazer. Tem certas coisas que não se quantificam ou qualificam. Entre elas a literatura.

Mas apertado, respondi a pergunta: A Crônica da Casa Assassinada de Lúcio Cardoso.
Só então neste momento tomei conhecimento que este fora o livro da literatura nacional que mais me impressionara, tal a sua textura e forma de apresentação. Leitura difícil, mas prazerosa. Prende a atenção e o faz ficar ligado pela forma pela qual é descrito. Desde  montagem do personagens, até a forma como eles vão se inserindo em um contexto que inicia de seu fim e chega ao começo.

Sempre tento imaginar o que o escritor tem em mente quando escreveu aquilo que estou lendo. Neste livro, não consigo imaginar, pois, ele é escrito de uma forma distinta dos demais. Como a obra de um pedreiro, colocando tijolo sobre tijolo, sem conhecer a planta final do projeto que está construindo. Para mim trata-se de um obra de arte. A descrição dos sentimentos de cada personagem é uma viagem ao intrínseco âmago de cada um. Um livro que todos deveriam ler e meditar. Para mim, habita minha cabeceira.

Quando escrevi O SUBMARINO DA LAGOA RODRIGO DE FREITAS procurei, criá-lo colocando tijolo por tijolo sem um projeto definido. O livro foi fluindo, esgueirando-se e encontrando seu próprio caminho. Foi uma tarefa árdua, pois, minha formação de arquiteto bramia por uma linha de ação determinada. E foi o que nunca aconteceu.

Acho que ler é um hábito que se adquire e um requinte que enobrece a todos. Pena que como Chico Anysio descreveu no prefácio de meu livro, muitas obras estão destinadas ao esquecimento nas prateleiras. Somos um povo que lê pouco, escreve menos ainda, mas fala muito, principalmente por falar ser de graça e não dar muito trabalho as cordas vocais.

Não quero puxar a sardinha para a minha brasa. Mas a literatura brasileira é a meu ver riquíssima. Paupérrimos, infelizmente, são aqueles que se dedicam a ela.
albatrozusa@yahoo.com