Gosto muito de ler. A leitura funciona para mim qual a alimentação. Faz parte de minha existência. Necessito dela pelo menos três vezes ao dia, e sete dias na semana. Toma conta de meu cotidiano e não é hoje, com a idade que alcancei, que irei mudar esta forma de ser. Folhear obras desconhecidas em uma livraria é ainda meu maior prazer. E foi assim que descobri em uma estante, um livro que está me causando muita impressão.
Estou mergulhado nele, cujo titulo é Rio Antigo, escrito por Anatole Jelihovschi. Penso tratar-se de uma trama muito bem urdida, onde como pano de fundo é descrita um Rio de Janeiro ainda monárquico e a beira de se tornar republicano. Trata-se de um livro denso, cujo conteúdo descreve em seus mínimos detalhes uma época desta grande cidade assim como a formação e o desenvolvimento de Afonso, um psicopata que tem no sofrimento alheio a alimentação de sua subsistência. A primeira parte é passada em uma fazenda do interior, onde o personagem principal do livro, um órfão agregado a desequilibrada família de seus tios, dá vazão a seus instintos perversos, testando-os inicialmente em animais e depois desenvolvendo-os em vitimas humanas, numa época ainda dominada pela escravidão.
Nada me prendeu tanta a atenção e exigiu de mim tal diligência em suas nuances literárias desde a Crônica da Casa Assassinada de Lúcio Cardoso, que para mim é ainda o melhor livro já escrito na língua portuguesa. Vale a pena lê-lo e igualmente nele enveredar pela mente de alguém que não raciocina como nós, mas que pode estar solto e habitar até a casa ao lado.
Do período em que o livro é escrito, até os dias de hoje, o Rio de Janeiro mudou muito. Evidentemente que para melhor. Outrossim, nesta duas últimas décadas, vários Afonsos vieram a ser desenvolvidos nele, produtos de uma política de total falta de segurança, ridícula em seu sistema de ensino basico e acima de tudo inexistente em termos de saúde e saneamento básico. Alimentamos melhor nossa população, mas continuamos a fazendo escrava de seus problemas de formação e existência.
Por sua vez, as populações proliferaram-se de forma descontrolada nas colinas do Rio de Janeiro. O tráfego de drogas dominou os morros cariocas e hoje verdadeiras ações dignas de uma guerra civil, são necessárias para conter e desbaratar o crime organizado. Que de tão organizado é comandado de dentro dos próprios presídios. Uma barbárie, inadmissível nos centros considerados desenvolvidos e acompanhada pelas autoridades como sendo o espelho normal de uma sociedade moderna. Não é.
Existem drogas e crimes em qualquer lugar no mundo, outrossim, não com a impunidade a que somos obrigados a assistir nas principais metrópoles de nosso pais. Um pais onde as pessoas ainda morrem porque alguém aplica vaselina ao invés de soro em um adolescente. Em um pais que muitos presidiários vivem em regime de meia prisão e nas horas que estão na rua, impetram novos crimes a uma sociedade indefesa, já que a ação policial muitas vezes é dúbia. Em um pais que a continuidade de um regime semi-ditatorial quer coibir aquilo que denomina como os excessos da imprensa, ou melhor a sua capacidade e obrigação de esmiuçar os escândalos e as falcatruas dos três poderes que nos regem. Poderes estes escolhidos por um povo que em sua grande maioria, principalmente nas regiões norte e nordeste ainda aceita um regime de cabresto dominado pelo atual gestão, muito semelhante ao coronealismo de épocas passadas. Outro dia li algo, no excelente livro de 1808 de Laurentino Gomes, uma passagem que aqui repito para gáudio daqueles que possuem um mínimo de senso de ridículo:
“… Em maio de 1817, um misterioso personagem percorria as ruas batidas pelo vento frio da primavera da cidade de Filadélfia, a antiga capital dos Estados Unidos. O comerciante Antônio Gonçalves Cruz, o Cabugá, era o agente secreto de uma conspiração em andamento em Pernambuco. Levava na bagagem 800,000 dólares, quantia assombrosa para a época. Atualizada pelo valor de compra, seria equivalente em 2007, a cerca de 12 milhões de dólares. Aos chegar aos Estados Unidos, Cabugá tinha três missões. A primeira era comprar armas para combater as tropas do rei D. João VI. A segunda, convencer o governo americano a apoiar a criação de uma republica independente no Nordeste brasileiro. O terceiro e mais espetacular de todos os objetivos era recrutar alguns antigos revolucionários franceses exilados em território americano para, com a ajuda deles, libertar Napoleão Bonaparte, prisioneiro dos ingleses na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, desde a derrota na Batalha de Waterloo. Pelo plano de Cabugá, Napoleão seria retirado da ilha na calada da noite e transportado para recife, onde comandaria a revolução pernambucana para, em seguida, retornar a Paris e reassumir o trono de imperador da França...
... Quando chegou aos Estados Unidos, com dinheiro arrecadado entre senhores de engenho, produtores de algodão e comerciantes favoráveis a república, os revolucionários pernambucanos já estavam sitiados pelas tropas leias a monarquia portuguesa. A rendição era inevitável. Sem saber de nada disto, Cabugá conseguiu recrutar quatro veteranos dos exércitos de Napoleão: o conde Pontelécoulant, o coronel Latapie, o ordenança Artong e o soldado Roulet. Todos eles chegaram ao Brasil muito depois de terminada a revolução e foram presos antes de desembarcar”.
Está certo que não dá para se confiar em alguém que tenha como apelido Cabugá e que ainda por cima instigado pelos donos de engenho, queira fazer de Napoleão um herói nordestino. E ademais o plano era por assim dizer, exageradamente mirabolante. Mais para Lampião do que para Napoleão.
Se bem que se levado a seu fim e tivesse o êxito esperadopor seus mentores, com a independência da republica Nordestina, hoje estaríamos livres do PT, do Lula e até da dona Dilma. E Napoleão teria mais uma comenda, o equivalente na época a Ordem do Cruzeiro do Sul ou coisa parecida, para ostentar em seu uniforme.
Não precisa realçar que Napoleão estaria dentro da ordem de heróis de nosso presidente Lula, hoje comandada por Lampião...